sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Filhos, por que tê-los?

Eu chego do trabalho e mal encosto a chave na fechadura e a gataria já começa a miar do outro lado da porta. Recebem-me à porta, roçando entre minhas pernas como que dizendo 'oi!', ao mesmo tempo em que me atropelam, voando para o corredor, onde jogamos "gatobol", ou seja, corremos atrás de bolinha de papel.

É ótimo chegar em casa, encontrá-los e brincar. Eles podem se exercitar, depois de terem passado o dia (dormindo, certamente!) e eu posso me liberar de um dia de trabalho, tirar aquela canseira de ficar muito concentrada, enfrentando as demandas de todos os lados, enfim.

Meus vizinhos já nos conhecem, sabem os nomes dos meus gatos (Lino e Melissa) e a história do abrigado da vez (sempre tenho um, e acolho outro após o primeiro ter sido adotado). Agora estou com o Frodo, que perdeu um olho nas agruras da vida na rua. Eles chegam do trabalho mais ou menos na mesma hora em que eu estou brincando com meus gatos, param, conversam, até se desestressam com os gatinhos. Claro que sempre procuro manter tudo na linha, nada de bolinha batendo na porta de ninguém, e não fico gritando no corredor, não quero incomodar ninguém. Por muito menos, um vizinho qualquer pode inventar de implicar e arrumar um problema, então não quero dar causa ao azar.

Mas há um ano estou morando sozinha neste apê e não tenho mais minha amiguinha, minha enteada, tão linda que tinha até nome de flor. Mas nem por isso acho que meus gatos são substitutos para filhos, que, além de tudo, não são a prioridade da minha vida no momento. Meus gatos são destinatários do meu afeto, sim, e dedicação, pois são seres vivos, quero dar-lhes boas condições de vida, ração adequada, vacinas obrigatórias, coisas do tipo, e afeto, que os mamíferos sentem e sabem expressar à sua maneira.

E então - agora entra a seção Mundinho News, de hoje - uma vizinha, já senhora, vem com essa: "É, num tem minino, né, cuida dos bichinhos!"

Eu relevo comentários de algumas pessoas, não discuto à toa, a menos que as condições para um diálogo frutífero se apresentem. Mas, nesse caso, a bola passou longe do gol. Looonge. E eu não fui buscar.

Só a de papel, pra continuar jogando com meus gatinhos.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Sobre ratos e homens

Luís Antônio Giron é editor da seção Mente Aberta da Revista Época, mas eu nunca tinha visto um contraste tão grande entre o pensamento de um jornalista e o nome de sua coluna. Ele é do tipo que me deu daqueles presentes para reflexão, exatamente por ele mesmo não ter feito a reflexão dele, mas apenas ter repetido preconceitos, maus conceitos, o mais baixo senso comum.

Ele escreveu um artigo chamado Animais de superestimação (aqui) em que descarrega suas abobrinhas cínicas. Eu queria aqui comentar trechos de seu artigo. Vamos começar pelo título, Animais de superestimação. Eu até concordo que exista um problema psicológico na pessoa que distorce sua relação com um animal, transferindo a ele fantasias, pintando suas unhas, colocando perfumes franceses e roupas de grife, coisas do tipo, que tiram a naturalidade do animal e da própria relação bicho-homem. Mas se ele seguisse nessa linha, poderia até escrever um artigo de auto-ajuda. Porém, o subtítulo já anuncia que o show de horrores vai começar: Os mascotes conquistaram a humanidade e hoje gozam de mais vantagens que ela.

Mais vantagens? Em que planeta? No planeta em que existe um país como o Brasil, onde a pena por maus tratos a animais, quando o crime é denunciado e quando é devidamente apurado pelas autoridades competentes resulta na detenção de três meses a um ano, normalmente convertida em prestação alternativa, e aplicação de multinha pelo IBAMA?

Direito não é vantagem. Os direitos dos animais vieram, primeiramente, equilibrar nossa relação com o meio ambiente, e acabaram por nos fazer pensar sobre nossa própria humanidade – ou bestialidade.

Este é o mesmo mundo em que se fala cada vez mais de direitos humanos, e se age em prol de seu respeito e da punição ao desrespeito de seus preceitos. Mas ele diz: “o triunfo dos valores animais sobre os humanos (...) evidencia a queda iminente de nossos valores culturais”. Se ele tivesse acesso aos e-mails que as associações de defesa animal recebem diariamente de pessoas que encontraram bichos atropelados e abandonados, ou de pessoas que querem se desfazer de seus animais porque enjoaram deles, ou querem sair de férias, acho que ele entenderia que não existe triunfo nenhum de animais sobre homens.

Tem mais: “Imagino se todo cidadão paulistano tivesse o direito de defecar em público, acondicionar seus dejetos em sacos plásticos e jogá-los pelas calçadas – como o fazem os donos de cães e gatos”. Bem... a gente não precisa chegar tão baixo, não é? Os tutores de animais que não depositam o dejeto de seus pets no lugar adequado são mesmo mal educados, porém isso não é culpa nem do animal, nem do fato de terem um animal. A pessoa que suja as calçadas certamente tem higiene duvidosa dentro de sua casa.

“Não vai tardar que a prefeitura construa uma rede de banheiros públicos para animais. (...) Agora os pet shops e clínicas vendem um “kit cocô”, com um saco e uma pá de papelão, para facilitar o desserviço.” O tal kit é uma ótima ideia, aliás; excelente se for feito de embalagem biodegradável. O problema não é o kit; se o tutor o joga no meio da rua, o problema é de educação desse tutor.

“Daqui a pouco escreva o que digo: surgirão motéis e casas de swing para bichos.” Será que ele sabe que, independente desta alegoria, a maior parte das pessoas se ausenta da responsabilidade sobre a reprodução de seus animais? Acham uma covardia castrá-lo, mas não enxergam o sofrimento de entrar no cio e ser exposto a doenças sexualmente transmissíveis incuráveis? Sim, animais também as têm – post sobre isso em breve.

Perto do fim, ele fica indignado quando teve de desembolsar uma boa grana para tratar de seu animal doente. Ele encontrou “(...) veterinários que se ofendem se você não os chamar de “doutor”. E cobram o olho da sua cara e da cara de seu cão por qualquer cirurgia.” Veterinários fazem um curso chamado Medicina Veterinária, são médicos de animais, não são açougueiros. Médico de gente também não devia ser chamado de doutor, como todos sabem; é um costume que tem origem antiga. E é ótimo que a medicina veterinária esteja evoluindo a ponto de se especializar em várias clínicas, isso representa progresso tecnológico e científico, pois indica que pessoas estão aprofundando seus conhecimentos sobre os outros animais.

Luís Antônio Giron escreve às terças-feiras. Giron, por favor: não escreva nem às terças, nem em dia nenhum. Nunca mais.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O Hóspede Maldito


O post de hoje é baseado em um comentário anônimo que recebi há alguns dias pelo texto "Há gatos e gatos". Apesar de grosseiro, ele me foi um presente. Alguns amigos ficaram indignados, pediram para que eu não o publicasse, mas quem escreve um blog revelando seus pensamentos e, portanto, seus valores, está dando a cara à tapa, está mandando mensagens para o mundo e, pelas leis mais básicas da Física, possivelmente receberá mensagens de volta. Eu sou completamente a favor da comunicação, então, resolvi responder ao comentário na forma de um post porque, como vocês verão, o presente que este comentário me deu foi ser o exemplo perfeito, sem tirar nem por, dos piores valores que vemos em nossa cultura que desvaloriza a vida, que tanto me causa assombro e que me fez começar a escrever este blog terapêutico. Segurem seus estômagos! Tirem as crianças da sala! Protejam as donzelas! Desliguem os aparelhos auditivos das vovós! Run for your lives!

A pérola:

"Deve ser porque ela percebeu que essa atitude moralista desenfreada, essa tentativa de mudar as pessoas, não passa de um desespero em se mudar a si mesmo. Tornar-se importante, de qualquer forma, mesmo que seja para alguns simples animais. Infelizmente é nítido que seja efeito de uma grande sensação de frustração.
Talvez um pouco mais de ponderação e respeito pela atitude do próximo, mesmo que seja contra seus ideiais demonstre um pouco mais de equilíbrio. #ficaadica
"

Vocês amaram a cerejinha do bolo, #ficaadica, né? Eu também!

Porém, confesso que tive uma mistura de sentimentos. Eu gargalhei, mas depois eu pensei, puxa, eu comecei divulgando este blog entre amigos pessoais e do trabalho, então, há um traidor entre nós (acho que todo blogueiro deve passar por isso!). Mas, estendendo o benefício da dúvida para melhor garantir ampla defesa, pode ser que ele tenha sido divulgado entre terceiros, amigos de amigos, e alguém com um filtro bem ruim na cabecinha pode ter tido esta leitura das minhas palavras - sim, porque certamente a pessoa que escreveu este comentário não me conhece. Nada, nadinha. Mas não é isso que de fato importa.

Ok. Eu concedo que é sempre bom pensarmos em como nos dirigir às pessoas, coisa que Anônimo me acusou de não fazer e acabou não fazendo ele mesmo ("#ficaadica" agora pra você, Anônimo!). Eu confesso que eu não escondo de ninguém atuar na defesa animal e estar pronta a travar um diálogo sempre (ou quase sempre) que ouço barbaridades a respeito da questão. É mais ou menos como uma feminista que não vê graça em piadinhas sexistas, não ri quando são contadas e ainda argumenta sobre elas, acabando com a "graça" geral. Porque sabemos que essas ditas piadas são maneiras de suavizar um modo de pensar que oficializa discretamente a dominação de gênero, são maneiras de fazer esta dominação aceitável, disfarçá-la, transferi-la da esfera do drama social para a anedota particular, privada. Escondê-la para que não haja conscientização sobre ela. E tornar quem despertou para o perigo em pessoa "chata", que não sabe se divertir, "relevar" em nome do riso frouxo, da diversão "inocente". Excluir quem não entra na dança e, ademais, a denuncia.

É mais ou menos o que Anônimo fez. Transferiu para mim, ou, como ele diz, pra minha suposta "nítida frustração", pro meu "moralismo desenfreado", a minha atuação social em defesa dos animais. A tal pessoa não deve ter lido o subtítulo do blog, nem a definição que coloquei sobre meu perfil. Eu deixo bem claro que não estou envolvida na causa exclusivamente pelos animais, mas pelo que ela diz de nossa sociedade humana, de como tratamos o meio ambiente, das nossas contradições de valores. Não acho que animais têm precedência sobre seres humanos, mas também não penso o contrário. Como seres viventes, temos todos espaço neste meio ambiente, ou seja, neste planeta. Somos primatas, macacos superiores, símios pensantes. Qualquer livro escolar básico de Biologia nos situa bem dentro do Reino Animal. Mas esquecemos que somos animais. E temos de discutir nossa convivência e nossa sobrevivência neste mundo e os valores que os viabilizam ou inviabilizam.

Coexist, Anônimo!

Aliás, o post que dera origem ao hilariante comentário anônimo era um em que eu mostrava exatamente que pessoas sexistas, machistas e limitadas tentavam insinuar que eu deveria estar namorando em vez de atuar na causa animal - como se fossem coisas mutuamente excludentes, ou como se eu devesse satisfação da minha vida privada aos outros! Ou, exatamente como Anônimo pensa, o alegado vazio de minha suposta frustração me levasse a ocupar meu tempo assim tão livre, tão sem sentido hipoteticamente sem uma vida amorosa participando da sociedade civil. Sim, porque o sentido da vida de uma mulher se resume a estar atrelada ao serviço a um homem, isso sim seria uma ocupação de tempo digna de uma mulher, e não a participação nos assuntos públicos da nossa sociedade. Ah, minha Santa Sufragete, perdoai nosso ignorante Anônimo! Tende ainda mais compaixão se Anônimo se tratar de uma mulher, com sua mente ainda subjugada aos grilhões da dominação sexista!

O pobre Anônimo me acusou de não ser ponderada, de ser desrespeitosa e desequilibrada, esquecendo-se que, na situação que relatei, eu tinha sido apanhada numa situação constrangedora, desrespeitosa, conduzida por pessoas que não pararam para ponderar nem um pouquinho sobre o que queriam fazer comigo. Não sou perfeita e nem me sinto importante, e me saí como pude, tentado sobreviver ao choque do golpe de ignorância sofrido.

O modo como pensamos determina o modo como agimos. Por meio de amigos, pude perceber que nossa cultura é muito leniente com a violência, não só em geral (contra mulheres, gays, presidiários, sem-teto, etc) mas também com relação aos animais. Estou falando da cultura de violência que permitimos crescer em nós. Pode ser coisa de país que viveu num atraso tecnológico grande por muito tempo e precisou usar a força de tração animal e o trabalho animal para cumprir tarefas que já eram executadas por máquinas em lugares mais tecnologicamente desenvolvidos. Eram seres vivos, mas os tratávamos por máquinas e, portanto, seguia o raciocínio e a atitude: máquina não sente, máquina exaure sua vida útil, máquina pode ser jogada fora e substituída. Máquina é pra realizar um trabalho. E assim, fomos desprovendo o animal de viver sem dor, sem tortura, sem abuso, ao mesmo tempo em que fomos aceitando nos tornarmos insensiveis a grunhidos de dor, à esfolação, ao sangramento alheio, a tal ponto que hoje precisamos usar expressões como "direto animal", que parece um absurdo.

Quem se transformou numa máquina fria, por fim? Acho que nós, que criamos em nossas mentes e no mundo o espaço da exploração de um ser vivo que sente dor e nos tornamos insensíveis a isso. Criamos justificativas para sustentar nosso pensar e nosso agir. 'É só um cão', "é só uma vaca", "é só um cavalo", etc. É o Resident Evil que mora escondido em nossa cultura, o Hóspede Maldito nas mentes das pessoas que ainda não se deram conta da origem do problema. Como nosso amigo Anônimo, a estrela de nossa questão de hoje. Coitado.

Na nossa cultura não se percebe que a fauna urbana também é uma questão de meio ambiente; quando se fala em meio ambiente, todo mundo pensa nas baleias do Japão ou na Floresta Amazônica, mas o assunto não se resume a isso. Meio ambiente é a porta da nossa casa. É a nossa casa, aliás! É até mesmo onde ela está situada, se houve desmatamento e desequilíbrio ambiental para que ela fosse construída; é tudo o que você consome e põe no lixo; é você ir comprar pão na padaria da esquina indo de carro, em vez de fazer uma caminhada; é você usar saco plástico no supermercado para embalar suas compras...

Então, sim, Anônimo, eu vou continuar debatendo a questão da defesa animal publicamente; iniciarei debates acalorados, incitarei pessoas, divulgarei ações, vestirei camisas temáticas, acompanharei votações de leis, promoverei pensamentos que possam mudar nossa cultura neste aspecto. Como as feministas, como os ambientalistas, como qualquer um que promova uma sociedade com cultura de paz.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Snoopy no Planeta dos Homens

Planeta dos Homens, vulgo "Mundinho".

Não, não é o Snoopy do genial Charles Schultz. Quem me dera eu pudesse estar falando aqui daquele cãozinho querido, esperto, que sonhava em ser o ás da aviação. Vou contar a história menos afortunada de um outro Snoopy, que nem Beagle era. Era um mix de Dachshund com alguma outra coisa que bem podia ser um Beagle, mas seus "donos" insistiam em dizer que ele era um Pincher.

Soube da existência dele numa conversa com outros conhecidos do trabalho. Contaram que ele tinha sido atropelado e que não mexia mais as patas traseiras. Contaram que queriam dá-lo para alguém que pudesse tomar conta dele... que ele estava dando muito trabalho. Logo já tive todas as indicações do tipo de "dono" com que eu estava lidando, mas acreditei que poderia consertar as coisas. Contei a história da Cacau, de como ela hoje em dia consegue andar até sozinha, depois de um acidente parecido, para mostrar pra pessoa que o bichinho tinha recuperação - mesmo que ele não andasse por conta própria, poderia sim se locomover por meio de uma cadeira de rodas feita sob medida pra ele e assim voltar a ser independente, na medida do possível, dando menos "trabalho" e preocupação.

Aparentemente a pessoa se convenceu e montamos um esquema para eu levá-lo ao hospital veterinário da UnB. A "dona" de Snoopy morava numa cidade muito humilde, longe do trabalho, mas no dia seguinte ela o trouxe na caixinha de transporte de meus gatos, que eu havia emprestado. Numa operação de guerra, saí com ele do trabalho direto pro hospital veterinário, que infelizmente estava fechado pra reforma - no meio do semestre letivo (comentários -- revoltados -- em futuro momento oportuno). Tive de deixá-lo em meu apartamento, para pânico dos meus gatos. Combinei com sua "dona" que a buscaria na saída do trabalho, levaria-a a minha casa e a deixaria na rodoviária para que ela pudesse levar Snoopy de volta pra casa para que voltasse na data da consulta que eu havia agendado em outro hospital veterinário.

Na hora combinada para sairmos, a pessoa já tinha ido embora mais cedo. Eu liguei pra ela; da primeira vez, ela atendeu e desligou logo depois que eu me identifiquei. Depois não atendeu mais. Snoopy passou a noite na minha casa, chorando. Eu fiz o possível para dar-lhe o maior conforto, para levá-lo de volta no dia seguinte para sua "dona". O pobre bichinho não parou de chorar a noite inteira. Meu coração estava partido e eu chorava muito, junto com ele. Tentava acalmá-lo e fiz muitas orações pela sua recuperação e bem-estar. Não conseguia acreditar que ele estava ali, abandonado, tão só, sem compreender por que estava ali, naquele lugar que não era o dele... quanto medo ele deve ter sentido. Claro, senão não estaria chorando, uivando dolorido e saudoso. Não era a privação de sono que me doía, eu já nem sabia mais que horas eram, mas me doía no fundo do coração aquela solidão que ele sentia. E me doía minha limitação em ajudá-lo. Se eu tivesse condições, eu ficava com ele. Enquanto estive com ele em casa, ele se arrastou atrás de mim, me seguindo. Pobre bichinho, somente queria alguém para protegê-lo...

No dia seguinte, a tal pessoa se assustou ao me ver indo procurá-la, com cara de poucos amigos e de uma noite inteira mal dormida. E chorei muito diante dela pelo fato dela o ter abandonado comigo e não ter retornado minhas ligações, nem me dado explicações, nem me procurado antes de sair, sendo que eu a levaria até em casa se fosse necessário. Eu descarreguei tudo em cima dela. Ela veio me dizendo que deus me abençoasse... e eu não gosto quando colocam deus no meio para se esquivarem de suas obrigações. Disse que deus já tinha me abençoado me dando um olhar compassivo e forças para cuidar dos animais vítimas de maus tratos, mesmo que eu faça pouco em comparação com outras pessoas que entregam suas vidas a essa missão e estão nela há muito mais tempo do que eu. Ela me pediu que a perdoasse, eu disse que a perdoava, mas que ela deveria examinar seus atos e tentar se perdoar e se emendar. Que eu tinha prometido tudo pra ajudar, até a cadeirinha de rodas pra ele, mas ela o tinha abandonado comigo, e ainda assim dizia que ele era de estimação?!

Uma das piores coisas da história foi saber que o bichinho estava assim há pelo menos dois meses. Não, vocês não leram errado, são dois meses mesmo, não são dois dias. Mas acho que o choque final, que me deixou baqueada, que terminou de arrasar comigo, foi quando fui levá-la de carro, com o Snoopy, até sua casa, na hora do almoço. Depois de quase uma hora chegamos lá. A rua era humilde, mas as casas da vizinhança, inclusive a dela, eram amplas, de alvenaria, decentes. Sem muitos acabamentos, mas era uma casa grande -- e ali estava um carro zero, de uma nova coleção de uma marca tradicional, o próprio lançamento do ano, em que se lia um grande adesivo: "Esta é a resposta da promessa de Deus".

Vou parar aqui pra fazer um comentário à parte. Não estou fazendo crítica a religião nenhuma. Mas dado o contexto, um ser vivo, que antes era "estimado", assim que "quebrou", passou a dar trabalho, a ser um inconveniente, algo do qual se livrar sem nem procurar socorro a tempo. Em qual dos dois estava o maior valor para aquela mulher? Não na vida, mas no bem material. Se ela acredita que deus possa premiar as pessoas dessa forma, dando-lhes presentes materiais, é bom pra ela, eu não vou discutir. Não tem nada de mais ela trabalhar e se esforçar para ter um carro, mas eu me espantei ao ver o que ela faz para pagar a prestação de um carro daquele e o que ela não fez em momento algum para minorar a dor de um ser vivo, que continuava se arrastando pelo chão mal acabado da casa e se ralando todo, ficando em carne viva... os rastros de sangue que ele deixava na mesma garagem onde seu carro novinho brilhava. Desculpem, mas esse contraste foi muito chocante pra mim.

Mas isto é um dado de uma cultura capitalista ao extremo. O que valorizamos mais são os bens materiais e fazemos tudo para por um preço em tudo. O Snoopy, para ela, passou a ter menos valor quando ficou aleijado, e ela quis se desfazer dele largando-o comigo. Fazemos isso com nossa própria espécie, que dirá com as outras? Largamos nossos filhos com babás porque dão muito trabalho; largamos nossos pais e familiares idosos em lares e asilos porque dão muito trabalho...

Snoopy voltou para aquela casa e para aquela "dona". Eu ainda dei o contato de outras pessoas que poderiam ajudá-la. Entreguei o caso, não tive estrutura emocional pra continuar lidando com isso. Snoopy que me perdoe um dia. Espero que ela tenha entrado em contato com elas. Quis tanto saber como ele ficou, mas não tinha coragem para perguntar, eu me tremia só de vê-la. Talvez outras pessoas tivessem agido melhor do que eu. Eu fiquei muito movida, doída com esta história, eu estive do lado de uma pessoa que me tratou dessa forma, por meio de seu próprio animal doente. Acho que tinha atingido um limite meu, não sabia mais como lidar com a situação. Quis denunciar, mas tive medo do ambiente do trabalho. A pessoa não me olhava mais nem falava comigo. Eu ainda tenho um tremor frio e um nó no estômago sempre que a vejo passando pelos corredores. Felizmente ela está alocada em outro lugar de modo que não nos encontramos mais tantas vezes. Pensar que ela o deixara agonizando por dois meses antes de me encontrar e que tenha tratado tudo como uma forma de se livrar dele usando de minha boa-vontade (não que eu seja uma santa, somente coincidiu de eu ser a pessoa que tentou ajudá-la no momento)... é algo que não consigo compreender...

Só resta ao Snoopy sonhar que corre veloz com sua cadeirinha de rodas... o ás das rodinhas nas pistas, em seus sonhos...

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Bicho não é brinquedo



Mas as pessoas em geral não sabem disso. Frequentemente me espanto de ver o estranhamento na cara das pessoas quando eu digo que é preciso vacinar e vermifugar um animal, que ele precisa ser castrado. Elas acham que é só comprar - sim, esta ainda é a preferência nacional - e levar pra casa, dar uma ração (isso quando sabem que se tem de dar ração, muitos dão qualquer comida, até chocolate).

E quando eu digo que tem que dar água filtrada? O estranhamento beira a indignação! E explico, antes que a pessoa tenha um derrame, que o animal precisa desses cuidados básicos - e sim, eu friso "básicos" - para ele não ficar doente nem transmitir doença pros humanos responsáveis pela sua proteção.

Proteção é outra palavra que causa mal-estar. As pessoas acham que são donas dos bichos, mas não responsáveis por eles. Bem como na época dos escravos. Era só catar aquela gente do outro lado do mundo, botar num navio, recolher o que sobreviveu e vender. Se ficou doente na viagem, jogou no mar. Reclamou em terra, açoitou, torturou. Quebrou? Jogou fora. Ora, consertar mercadoria quebrada!

E explico, contornando a cara de interrogação da pessoa, que os animais são seres vivos que sentem fome, frio, medo e dor, que por isso somos por ele responsáveis, precisamos cuidar deles. E dá trabalho, quase como cuidar de criança novinha, especialmente se forem filhotes. Eles choram à noite, choram de fome, choram de frio, tremem de medo desamparados sem a mãe, têm dor de barriga se não a estimulamos, sujam a casa inteira, precisam de disciplina... e vivem entre 10 e 15 anos, alguns podem até chegar aos 19, como uma gatinha que conheci e morreu de câncer.

É vida de verdade, não é brinquedo.

Há gatos e gatos

-- Juliana, vem cá pra você ver a foto do meu gatinho!
Lá vou eu atender ao pedido que parecia tão inocente. Uma dessas fotos photoshópicas de um filhote branquinho, bem aveludado, em meio a um jardim.
-- Não é lindo meu gatinho?
-- Sim, que gracinha. É seu mesmo? Uai, nunca soube que você tinha animais, nunca me contou... ele é filhote, onde você o pegou? Ou você o comprou?
-- Eu o tenho há mais de dez anos...
E então interrompeu um riso engasgado e maléfico. Minha nuca se arrepia. Oh-oh, lá vem uma armadilha para a velha louca dos gatos.
-- ... ahn... mas nessa foto ele tá filhote, é antiga essa foto?
Claro que não, tolinha, para de querer ser simpática e sai correndo daí que a patrulha casamenteira está fechando o cerco!
-- Hahahaha Juliana, Juliana...
Eu sabia...
-- ... larga de ser boba, menina! Eu não tenho bicho nenhum lá em casa - não maltrato, mas não gosto de bicho em casa. Você tem é que parar de cuidar desses bichos e levar um gato de verdade pra sua casa...
Como se fossem alternativas mutuamente excludentes!
-- ...olha os olhos desse gato aqui, que lindos! É um gato desse que você tem que levar pra sua casa!
Rá rá rá. Nossa, que engraçado.O rapaz dos olhos verdes.
-- Olha... esse gato aí tem lindos olhos, mas é cheio de gatas pelas esquinas, tô fora!
E fui embora humilde, pensando, meu deus, agora além de velha louca dos gatos que distrai sua solidão cuidando de animais abandonados eu sou a solteirona amargurada que tenta suprir suas frustrações criando gatos em casa.

É só uma pequena noção do tanto de trabalho de conscientização sobre a importância da causa animal que eu preciso fazer diariamente...

A pobre louca dos gatos



-- Juliana, você não quer casar de novo?
Eu nem vi o que tinha me atingido: Como? Ah, bem, sim, por que não, né?
-- Você é sempre assim, feliz?
-- Ah... na maior parte do tempo acho que estou feliz sim -- e começo a me virar para a saída.
-- É que você está sempre sorrindo, você não se sente sozinha?
Como assim?!
-- Sim, eu me sinto sozinha, como qualquer outra pessoa, mas eu tenho muitas coisas para fazer, nem gasto muito tempo pensando nisso... -- e já estou quase de costas.
-- Os gatinhos dão muito trabalho, né não?
-- Sim, mas é um trabalho bom, eu me canso mas me divirto também.
-- Mas quando você tiver seus filhos, você vai ter que parar com esse trabalho né?
Pronto. Já me casaram de novo e já me arrumaram filhos. No plural. E me tiraram meus gatinhos. Isso é o mais cruel.
-- Não, não, não é preciso dar os animais quando se engravida, dá pra conciliar tudo, basta ter higiene, um mínimo de atenção com os cuidados básicos, vacinação, essas coisas...
-- Eu sei, eu sei. Mas você não vai ter tempo de cuidar de criança e de bicho ao mesmo tempo...
E agora eu sou uma idiota completa. Nunca desenvolvi polegares opositores.
-- Não, não é assim, ó... mas por que você tá me perguntando isso tudo?
-- Ah, porque eu te vejo todo dia, sorridente, mas fico pensando se você é sozinha, no seu apêzinho, com seus gatinhos.
A velha louca dos gatos.
-- Ah, não, não. Sabe... ok. Sim, talvez eu me case de novo se um homem aparecer para ser marido, e sim, eu quero ter filhos. Mas não sei se isso vai acontecer. Pode acontecer, mas eu não sofro pensando nisso todo dia, e pensar nisso nem é sofrimento. E a gente é um monte de coisa, não só uma coisa só. Quem casar comigo vai levar o pacote completo, é porteira fechada.
-- É, é bom pra distrair, né?
Coitada.
-- É, é. É bom sim... distrair... bem, até amanhã!
Apressei o passo o quanto pude pra me livrar da sabatina da casamenteira.

Mas o pior não é a indelicadeza de alguém me fazer perguntas tão pessoais assim, do nada. O pior é alguém pensar que eu, enquanto protetora de animais vítimas de maus tratos, faz isso por simples distração.

Chorando a morte do bezerro

Todo ano é a mesma coisa. Mesma coisa? Acho que não, desde as últimas edições da Festa do Peão em Barretos, SP. Com a maior organização dos grupos de proteção animal, suas ações têm ficado cada vez mais profissionais. Este ano, lamentavelmente, houve a necessidade de sacrificar um bezerro que teve sua coluna lesionada durante a prova de uma "modalidade desportiva" chamada bulldog. Ele ficara paraplégico em decorrência desta lesão. Veja a notícia aqui: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2011/08/25/morte-de-bezerro-reacende-polemica-sobre-animais-no-rodeio-de-barretos.jhtm


Se você não sabe que prova é essa, explico: um peão (normalmente um homem bem robusto), sobre um cavalo, pula de sua montaria sobre um bezerro que é solto em uma arena. Imagine o desespero do animal fugindo de um homem lhe persegue implacavelmente até derrubá-lo. O risco está implícito, inclusive para o peão também. Mas nem o sofrimento do jovem animal,  nem o risco de morte e lesões de ambos os animais conseguem em momento algum fazer as pessoas pararem e repensarem os valores de uma cultura que não consegue correr o tempo e se reiventar.

Vou fazer uma analogia com a tourada, outra "modalidade desportiva" que tem o mesmo objetivo que os das festas de peão. Eu até entendo o que está por trás de uma tourada - obviamente não a apoio em nenhuma hipótese, mas compreendo que ela simboliza a luta do homem, supostamente racional, contra o animal, que representa seu lado instintivo. O curioso é o touro, o animal, o instinto, o baixo, o irracional, o ilógico já ter de vir para a briga prejudicado (sangram-no com algumas facadas antes de soltá-lo na arena), como que para garantir que o semi-corajoso toureiro o vença por fim. Na vida real, enfrentamos nosso lado além-razão de peito aberto, sem sedém, sem cortes, sem laço. Para encarar nosso lado mais primal, melhor seria bailar com ele num tango.

É difícil ter de fazer o exercício de ouvir o discurso antagônico, mas é preciso tentá-lo, porque quando controlo minha revolta e faço o exercício de buscar a lógica no discurso alheio, consigo perceber que ele só se constroi com justificativas falhas, que procuram manter na atualidade o pensamento e o comportamento saudosista de um mundo que não existe mais. A maioria dos produtores não produz sem mecanização; o trabalho animal já está superado na maior parte do mundo rural. O homem rural já é um bravo por si só, por enfrentar os elementos e sua imprevisibilidade, as deficiências das políticas agrárias, as injustiças sociais no campo, entre outros problemas. Sua festa de peão deveria mostrar, como troféu, não um animal morto, sacrificado por uma profunda estupidez, mas o fruto do seu labor de sol a sol.

Por uma festa de interior mais digna.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Um crime que esconde muitos outros

Um crime que acabou levando a outro. Dois jovens que supostamente iriam "sacrificar" uma cadela que estaria doente com uma arma calibre 22 acabaram discordando na hora da "execução" e um dos jovens acabou disparando contra o outro.

http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2011/09/adolescente-de-15-anos-mata-menino-de-13-com-tiro-no-peito-no-es.html


É a síntese (infeliz) do que venho tentado demonstrar aqui no blog: a cultura de violência que está por trás de como tratamos os animais, que expressa nada mais, nada menos, do que nós próprios somos - ou temos sido.

Em primeiro lugar, destaque para o fato de que dois jovens tiveram acesso a uma arma de fogo, algo que jamais poderia estar disponível facilmente para ninguém, que dizer para dois garotos mal entrados na adolescência. Fruto da cultura de violência banalizada.

Em segundo lugar, o "sacrifício" do cão. Daí é possível ler este comportamento em várias camadas: uma, que o animal doente não mereceu a devida atenção da família por ele responsável. Que doença ele tinha? Era tratável? Por que não se tratou o animal? Se não havia tratamento, porque não eutanasiá-lo de maneira digna? A primeira resposta que me vem à mente para estas perguntas é que o animal não é considerado ser vivo, mas um objeto -- por isso que as pessoas dizem que são "donas" de seus bichos. A segunda resposta pode até ser que estas pessoas não tinham condoções financeiras para tratar o animal (muitas vezes essas pessoas não têm dinheiro nem pra custear seus próprios tratamentos de saúde) - e aí eu entro na outra camada de leitura possível deste lamentável fato: a falta de uma estrutura eficiente que cuide dos animais. Um centro de controle de zoonoses que possa se prestar a dar atendimento veterinário gratuito a pessoas carentes que sejam tutoras de seus animais. E por que não há uma estrutura como esta? Vamos descer à outra camada de leitura: a de que falta política pública focada na questão da responsabilidade sobre os animais.

Infelizmente, ainda na atualidade, quando se fala em meio ambiente, só se pensa em flora e fauna selvagens e exóticos. Pensa-se em Amazônia, em ararinha-azul. Mas não se pensa que meio ambiente é onde está nossa casa, a rua por onde andamos todos os dias, os pombos que comem do nosso lixo, os gatos de bueiro que caçam os ratos, os cães soltos na rua que se contaminam com leishmaniose. Tudo isso é também meio ambiente. É a fauna urbana, da qual os animais urbanos, inclusive os de rua, precisam ser vistos como parte integrante.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Cão que parece ovelha?

Esse é o tom da notícia na sessão "Planeta Bizarro" do jornal online O Globo de hoje.

Atentem para a linguagem da notícia, acompanhada de uma foto que mostra a cena grotesca em que um animal (considerado) de estimação é finalmente resgatado, com sorte, ainda vivo, debaixo de 13 quilos de pelos. A imagem é a prova de um crime - de um, não, de vários: negligência, abandono, maus tratos.

O cão, porém, é que foi considerado bizarro, e não seu "dono". Ora, acredito eu que bizarro é o acontecimento; bizarra é a criatura que deixou isso acontecer a este ser vivo que dele dependia.

Notícia errada, dada na sessão errada, com o enfoque errado, usando a linguagem errada.

Só uma coisa não é bizarra nesta história, pelo menos pra mim: na Inglaterra, existe punição pra este tipo de crime. No Brasil, existe a lei 9506/98, mas as punições ainda continuam escassas.

Abaixo o link pra notícia.

http://g1.globo.com/planeta-bizarro/noticia/2011/08/veterinarios-removem-13-kg-de-pelo-do-cao-que-parecia-ovelha.html


terça-feira, 30 de agosto de 2011

O bicho era um homem



Acredito que muitos de nós tenham lido este famoso poema de Manuel Bandeira na escola. Ele exprimiu meu sentimentos, muito antes de mim, com o mesmo espanto, a mesma indignação pelo absurdo que era ver uma pessoa mergulhada de cabeça, com o corpo dobrado quase até a metade pra dentro de uma caçamba de lixo, revirando restos para procurar o que comer.

Acho que isso me aconteceu logo depois do traumático episódio do assassinato a sangue frio do bebê foca. Pois é, "minha nada mole vida" começou cedo...

Este é apenas o retrato de um sociedade que, se faz isso consigo mesma, que dizer aos animais...

Então, tá aqui, direto do túnel do tempo, que estranhamente permanece tão presente...

O Bicho


“Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.”

Manuel Bandeira

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Tudo começou quando eu era criança...

... frase clássica que abre qualquer sessão de psicanálise. Mas é verdade: por volta dos meus cinco ou seis anos, eu vi uma imagem na tv que mudou o mundo todo pra mim, a imagem de um caçador de focas, possivelmente no Canadá. Um bebê foca se aproximava desengonçado de um homem que parecia querer brincar com ele. Eis que, de repente, ele saca de uma picareta e dá na cabeça do bicho, que estribucha jorrando sangue.

Imagem forte? Desculpem, mas a maioria de vocês é adulta, vai saber como processar isso e logo vão até esquecer o que leram aqui. Imaginem agora uma criança de quase seis anos vendo isso na tv - e o consequente desespero de seus pais para desmentir a cena que eles não esperavam fosse aquela para uma criança em choque que chorava horrorizada.

Um simples descuido e pronto: o mundo não era o mesmo, os homens eram maus, matavam animais bebês a picaretadas. Imagina o que poderiam fazer comigo? Gente, que mundo era esse em que eu (acabava de me dar conta) existia?

E são quase três décadas e a caçada aos bebês foca ainda acontece no Canadá. A "justificativa" é a singular maciez de sua pele. Que na Pré-história tenhamos precisado usar peles de animais para proteger nossa própria pele, eu até consigo entender. Mas logo depois se percebeu que era possível se vestir com outros materiais, algodão, seda. Com os materiais sintéticos de hoje, não há justificativa pra usar nem couro de vaca em sapato. E olha que eu não sou vegana (nada contra, é só um esclarecimento, tenho queridos amigos veganos). Mas não precisa ser vegano pra entender que querer sapatos de pele de foca faz caçadores de bebês foca picaretarem esses animais até sua morte...



Animal lover

Tenho tentado explicar pras pessoas "de fora" da causa o que faço como voluntária, e a cada tentativa tenho ouriçado a curiosidade alheia. Ganho olhares compassivos - "coitada, a velha louca dos gatos" - ou raivosos - "sua elitista alienada, num país com tanta pobreza como o Brasil e você salvando bicho". Então, custou mas chegou: o blog que eu tanto queria escrever sobre minhas aventuras e desventuras neste planeta não só dos macacos, observando esse bicho estranho que somos nós, o Bicho-homem, enquanto trabalho resgatando animais vítimas de maus tratos e abandono.

O que me motiva a realizar este trabalho voluntário não é apenas o animal em si, mas uma reflexão ampliada sobre que cultura e que humanidade estão por trás de um animal que tenha sofrido violência. O que se pode dizer de uma pessoa que intencionalmente ateia fogo a um animal, amputa-lhe membros, obriga-o a ter ninhadas após ninhadas em fábricas de filhotes, abandona-o quando se muda de casa sem prover um novo tutor? Se, afinal, tratamos de maneira desumana a outros de nossa espécie, muitas das vezes nossos próprios filhos, pais, familiares, que dizer dos animais?

Resgatando animais, espero poder conseguir resgatar nossa humanidade.