sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Filhos, por que tê-los?

Eu chego do trabalho e mal encosto a chave na fechadura e a gataria já começa a miar do outro lado da porta. Recebem-me à porta, roçando entre minhas pernas como que dizendo 'oi!', ao mesmo tempo em que me atropelam, voando para o corredor, onde jogamos "gatobol", ou seja, corremos atrás de bolinha de papel.

É ótimo chegar em casa, encontrá-los e brincar. Eles podem se exercitar, depois de terem passado o dia (dormindo, certamente!) e eu posso me liberar de um dia de trabalho, tirar aquela canseira de ficar muito concentrada, enfrentando as demandas de todos os lados, enfim.

Meus vizinhos já nos conhecem, sabem os nomes dos meus gatos (Lino e Melissa) e a história do abrigado da vez (sempre tenho um, e acolho outro após o primeiro ter sido adotado). Agora estou com o Frodo, que perdeu um olho nas agruras da vida na rua. Eles chegam do trabalho mais ou menos na mesma hora em que eu estou brincando com meus gatos, param, conversam, até se desestressam com os gatinhos. Claro que sempre procuro manter tudo na linha, nada de bolinha batendo na porta de ninguém, e não fico gritando no corredor, não quero incomodar ninguém. Por muito menos, um vizinho qualquer pode inventar de implicar e arrumar um problema, então não quero dar causa ao azar.

Mas há um ano estou morando sozinha neste apê e não tenho mais minha amiguinha, minha enteada, tão linda que tinha até nome de flor. Mas nem por isso acho que meus gatos são substitutos para filhos, que, além de tudo, não são a prioridade da minha vida no momento. Meus gatos são destinatários do meu afeto, sim, e dedicação, pois são seres vivos, quero dar-lhes boas condições de vida, ração adequada, vacinas obrigatórias, coisas do tipo, e afeto, que os mamíferos sentem e sabem expressar à sua maneira.

E então - agora entra a seção Mundinho News, de hoje - uma vizinha, já senhora, vem com essa: "É, num tem minino, né, cuida dos bichinhos!"

Eu relevo comentários de algumas pessoas, não discuto à toa, a menos que as condições para um diálogo frutífero se apresentem. Mas, nesse caso, a bola passou longe do gol. Looonge. E eu não fui buscar.

Só a de papel, pra continuar jogando com meus gatinhos.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Sobre ratos e homens

Luís Antônio Giron é editor da seção Mente Aberta da Revista Época, mas eu nunca tinha visto um contraste tão grande entre o pensamento de um jornalista e o nome de sua coluna. Ele é do tipo que me deu daqueles presentes para reflexão, exatamente por ele mesmo não ter feito a reflexão dele, mas apenas ter repetido preconceitos, maus conceitos, o mais baixo senso comum.

Ele escreveu um artigo chamado Animais de superestimação (aqui) em que descarrega suas abobrinhas cínicas. Eu queria aqui comentar trechos de seu artigo. Vamos começar pelo título, Animais de superestimação. Eu até concordo que exista um problema psicológico na pessoa que distorce sua relação com um animal, transferindo a ele fantasias, pintando suas unhas, colocando perfumes franceses e roupas de grife, coisas do tipo, que tiram a naturalidade do animal e da própria relação bicho-homem. Mas se ele seguisse nessa linha, poderia até escrever um artigo de auto-ajuda. Porém, o subtítulo já anuncia que o show de horrores vai começar: Os mascotes conquistaram a humanidade e hoje gozam de mais vantagens que ela.

Mais vantagens? Em que planeta? No planeta em que existe um país como o Brasil, onde a pena por maus tratos a animais, quando o crime é denunciado e quando é devidamente apurado pelas autoridades competentes resulta na detenção de três meses a um ano, normalmente convertida em prestação alternativa, e aplicação de multinha pelo IBAMA?

Direito não é vantagem. Os direitos dos animais vieram, primeiramente, equilibrar nossa relação com o meio ambiente, e acabaram por nos fazer pensar sobre nossa própria humanidade – ou bestialidade.

Este é o mesmo mundo em que se fala cada vez mais de direitos humanos, e se age em prol de seu respeito e da punição ao desrespeito de seus preceitos. Mas ele diz: “o triunfo dos valores animais sobre os humanos (...) evidencia a queda iminente de nossos valores culturais”. Se ele tivesse acesso aos e-mails que as associações de defesa animal recebem diariamente de pessoas que encontraram bichos atropelados e abandonados, ou de pessoas que querem se desfazer de seus animais porque enjoaram deles, ou querem sair de férias, acho que ele entenderia que não existe triunfo nenhum de animais sobre homens.

Tem mais: “Imagino se todo cidadão paulistano tivesse o direito de defecar em público, acondicionar seus dejetos em sacos plásticos e jogá-los pelas calçadas – como o fazem os donos de cães e gatos”. Bem... a gente não precisa chegar tão baixo, não é? Os tutores de animais que não depositam o dejeto de seus pets no lugar adequado são mesmo mal educados, porém isso não é culpa nem do animal, nem do fato de terem um animal. A pessoa que suja as calçadas certamente tem higiene duvidosa dentro de sua casa.

“Não vai tardar que a prefeitura construa uma rede de banheiros públicos para animais. (...) Agora os pet shops e clínicas vendem um “kit cocô”, com um saco e uma pá de papelão, para facilitar o desserviço.” O tal kit é uma ótima ideia, aliás; excelente se for feito de embalagem biodegradável. O problema não é o kit; se o tutor o joga no meio da rua, o problema é de educação desse tutor.

“Daqui a pouco escreva o que digo: surgirão motéis e casas de swing para bichos.” Será que ele sabe que, independente desta alegoria, a maior parte das pessoas se ausenta da responsabilidade sobre a reprodução de seus animais? Acham uma covardia castrá-lo, mas não enxergam o sofrimento de entrar no cio e ser exposto a doenças sexualmente transmissíveis incuráveis? Sim, animais também as têm – post sobre isso em breve.

Perto do fim, ele fica indignado quando teve de desembolsar uma boa grana para tratar de seu animal doente. Ele encontrou “(...) veterinários que se ofendem se você não os chamar de “doutor”. E cobram o olho da sua cara e da cara de seu cão por qualquer cirurgia.” Veterinários fazem um curso chamado Medicina Veterinária, são médicos de animais, não são açougueiros. Médico de gente também não devia ser chamado de doutor, como todos sabem; é um costume que tem origem antiga. E é ótimo que a medicina veterinária esteja evoluindo a ponto de se especializar em várias clínicas, isso representa progresso tecnológico e científico, pois indica que pessoas estão aprofundando seus conhecimentos sobre os outros animais.

Luís Antônio Giron escreve às terças-feiras. Giron, por favor: não escreva nem às terças, nem em dia nenhum. Nunca mais.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O Hóspede Maldito


O post de hoje é baseado em um comentário anônimo que recebi há alguns dias pelo texto "Há gatos e gatos". Apesar de grosseiro, ele me foi um presente. Alguns amigos ficaram indignados, pediram para que eu não o publicasse, mas quem escreve um blog revelando seus pensamentos e, portanto, seus valores, está dando a cara à tapa, está mandando mensagens para o mundo e, pelas leis mais básicas da Física, possivelmente receberá mensagens de volta. Eu sou completamente a favor da comunicação, então, resolvi responder ao comentário na forma de um post porque, como vocês verão, o presente que este comentário me deu foi ser o exemplo perfeito, sem tirar nem por, dos piores valores que vemos em nossa cultura que desvaloriza a vida, que tanto me causa assombro e que me fez começar a escrever este blog terapêutico. Segurem seus estômagos! Tirem as crianças da sala! Protejam as donzelas! Desliguem os aparelhos auditivos das vovós! Run for your lives!

A pérola:

"Deve ser porque ela percebeu que essa atitude moralista desenfreada, essa tentativa de mudar as pessoas, não passa de um desespero em se mudar a si mesmo. Tornar-se importante, de qualquer forma, mesmo que seja para alguns simples animais. Infelizmente é nítido que seja efeito de uma grande sensação de frustração.
Talvez um pouco mais de ponderação e respeito pela atitude do próximo, mesmo que seja contra seus ideiais demonstre um pouco mais de equilíbrio. #ficaadica
"

Vocês amaram a cerejinha do bolo, #ficaadica, né? Eu também!

Porém, confesso que tive uma mistura de sentimentos. Eu gargalhei, mas depois eu pensei, puxa, eu comecei divulgando este blog entre amigos pessoais e do trabalho, então, há um traidor entre nós (acho que todo blogueiro deve passar por isso!). Mas, estendendo o benefício da dúvida para melhor garantir ampla defesa, pode ser que ele tenha sido divulgado entre terceiros, amigos de amigos, e alguém com um filtro bem ruim na cabecinha pode ter tido esta leitura das minhas palavras - sim, porque certamente a pessoa que escreveu este comentário não me conhece. Nada, nadinha. Mas não é isso que de fato importa.

Ok. Eu concedo que é sempre bom pensarmos em como nos dirigir às pessoas, coisa que Anônimo me acusou de não fazer e acabou não fazendo ele mesmo ("#ficaadica" agora pra você, Anônimo!). Eu confesso que eu não escondo de ninguém atuar na defesa animal e estar pronta a travar um diálogo sempre (ou quase sempre) que ouço barbaridades a respeito da questão. É mais ou menos como uma feminista que não vê graça em piadinhas sexistas, não ri quando são contadas e ainda argumenta sobre elas, acabando com a "graça" geral. Porque sabemos que essas ditas piadas são maneiras de suavizar um modo de pensar que oficializa discretamente a dominação de gênero, são maneiras de fazer esta dominação aceitável, disfarçá-la, transferi-la da esfera do drama social para a anedota particular, privada. Escondê-la para que não haja conscientização sobre ela. E tornar quem despertou para o perigo em pessoa "chata", que não sabe se divertir, "relevar" em nome do riso frouxo, da diversão "inocente". Excluir quem não entra na dança e, ademais, a denuncia.

É mais ou menos o que Anônimo fez. Transferiu para mim, ou, como ele diz, pra minha suposta "nítida frustração", pro meu "moralismo desenfreado", a minha atuação social em defesa dos animais. A tal pessoa não deve ter lido o subtítulo do blog, nem a definição que coloquei sobre meu perfil. Eu deixo bem claro que não estou envolvida na causa exclusivamente pelos animais, mas pelo que ela diz de nossa sociedade humana, de como tratamos o meio ambiente, das nossas contradições de valores. Não acho que animais têm precedência sobre seres humanos, mas também não penso o contrário. Como seres viventes, temos todos espaço neste meio ambiente, ou seja, neste planeta. Somos primatas, macacos superiores, símios pensantes. Qualquer livro escolar básico de Biologia nos situa bem dentro do Reino Animal. Mas esquecemos que somos animais. E temos de discutir nossa convivência e nossa sobrevivência neste mundo e os valores que os viabilizam ou inviabilizam.

Coexist, Anônimo!

Aliás, o post que dera origem ao hilariante comentário anônimo era um em que eu mostrava exatamente que pessoas sexistas, machistas e limitadas tentavam insinuar que eu deveria estar namorando em vez de atuar na causa animal - como se fossem coisas mutuamente excludentes, ou como se eu devesse satisfação da minha vida privada aos outros! Ou, exatamente como Anônimo pensa, o alegado vazio de minha suposta frustração me levasse a ocupar meu tempo assim tão livre, tão sem sentido hipoteticamente sem uma vida amorosa participando da sociedade civil. Sim, porque o sentido da vida de uma mulher se resume a estar atrelada ao serviço a um homem, isso sim seria uma ocupação de tempo digna de uma mulher, e não a participação nos assuntos públicos da nossa sociedade. Ah, minha Santa Sufragete, perdoai nosso ignorante Anônimo! Tende ainda mais compaixão se Anônimo se tratar de uma mulher, com sua mente ainda subjugada aos grilhões da dominação sexista!

O pobre Anônimo me acusou de não ser ponderada, de ser desrespeitosa e desequilibrada, esquecendo-se que, na situação que relatei, eu tinha sido apanhada numa situação constrangedora, desrespeitosa, conduzida por pessoas que não pararam para ponderar nem um pouquinho sobre o que queriam fazer comigo. Não sou perfeita e nem me sinto importante, e me saí como pude, tentado sobreviver ao choque do golpe de ignorância sofrido.

O modo como pensamos determina o modo como agimos. Por meio de amigos, pude perceber que nossa cultura é muito leniente com a violência, não só em geral (contra mulheres, gays, presidiários, sem-teto, etc) mas também com relação aos animais. Estou falando da cultura de violência que permitimos crescer em nós. Pode ser coisa de país que viveu num atraso tecnológico grande por muito tempo e precisou usar a força de tração animal e o trabalho animal para cumprir tarefas que já eram executadas por máquinas em lugares mais tecnologicamente desenvolvidos. Eram seres vivos, mas os tratávamos por máquinas e, portanto, seguia o raciocínio e a atitude: máquina não sente, máquina exaure sua vida útil, máquina pode ser jogada fora e substituída. Máquina é pra realizar um trabalho. E assim, fomos desprovendo o animal de viver sem dor, sem tortura, sem abuso, ao mesmo tempo em que fomos aceitando nos tornarmos insensiveis a grunhidos de dor, à esfolação, ao sangramento alheio, a tal ponto que hoje precisamos usar expressões como "direto animal", que parece um absurdo.

Quem se transformou numa máquina fria, por fim? Acho que nós, que criamos em nossas mentes e no mundo o espaço da exploração de um ser vivo que sente dor e nos tornamos insensíveis a isso. Criamos justificativas para sustentar nosso pensar e nosso agir. 'É só um cão', "é só uma vaca", "é só um cavalo", etc. É o Resident Evil que mora escondido em nossa cultura, o Hóspede Maldito nas mentes das pessoas que ainda não se deram conta da origem do problema. Como nosso amigo Anônimo, a estrela de nossa questão de hoje. Coitado.

Na nossa cultura não se percebe que a fauna urbana também é uma questão de meio ambiente; quando se fala em meio ambiente, todo mundo pensa nas baleias do Japão ou na Floresta Amazônica, mas o assunto não se resume a isso. Meio ambiente é a porta da nossa casa. É a nossa casa, aliás! É até mesmo onde ela está situada, se houve desmatamento e desequilíbrio ambiental para que ela fosse construída; é tudo o que você consome e põe no lixo; é você ir comprar pão na padaria da esquina indo de carro, em vez de fazer uma caminhada; é você usar saco plástico no supermercado para embalar suas compras...

Então, sim, Anônimo, eu vou continuar debatendo a questão da defesa animal publicamente; iniciarei debates acalorados, incitarei pessoas, divulgarei ações, vestirei camisas temáticas, acompanharei votações de leis, promoverei pensamentos que possam mudar nossa cultura neste aspecto. Como as feministas, como os ambientalistas, como qualquer um que promova uma sociedade com cultura de paz.