segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Mulher, esse animal político

No dia 24 de fevereiro, mal se falou sobre os oitenta anos da conquista do voto feminino no Brasil. Eu vi mais notícias sobre o assunto nas mídias ligadas ao Estado: na TV Câmara, na NBR, mas pouquíssimo na rede privada, a das grandes empresas. Se eu não fosse uma mulher brasileira, eu teria estranhado muito mais, em especial porque o foco ficou na velha ladainha da "baixa participação das mulheres na política".

Eu não sei que pouca participação é essa, e de qual política estão falando. Ao olhar os movimentos sociais e, no meu caso específico, as entidades de proteção animal, eu vejo uma maioria de mulheres muito atuantes: elas se mobilizam para resgatar, levar às clínicas, correr atrás de patrocínio, parcerias e doações, mobilizam vizinhos, colegas de trabalho e familiares para a causa, procuram deputados para apresentar projetos de lei, buscam as mídias para denunciar as omissões do Estado nos assuntos sociais que se relacionam com a questão da proteção animal... Isso é pouco? Ou acaso isso não é política? O que é a política, afinal?

Certamente não é aquilo que se apresenta no Congresso Nacional. Ou melhor, felizmente, não é só aquilo. Aquele lugar em que se reservam "cotas" para a participação de mulheres, num sistema em que os partidos são liderados por homens, embora 52% da população eleitora seja composta de mulheres. A caixa preta que é o Congresso Nacional, e a política-politicagem que realizam, não são para mim a definição de política, mas a de um não-fazer político, uma vez que aquela maioria de homens representa grupos de interesse de dominação local em benefício de suas famílias e interesses privados. Suas pretensões paroquiais são as que promovem, por exemplo, as vaquejadas como manifestações de "cultura popular" - porém, sabemos que eles as promovem pelo volume de dinheiro que movimentam, inclusive, para seus próprios negócios familiares.

As mulheres estão retomando o fazer político, levando-a de volta à praça pública, que é seu lugar. São elas que denunciam a falência do poder público ao levantar uma petição pública on line contra o abate ilegal de animais no Centro de Controle de Zoonoses de Brasília, por exemplo. Porque, ao expor esta questão, elas mostram que a Secretaria de Saúde sucateou a CCZ de Brasília, que ela passa por cima da legislação local e federal sobre os maus tratos aos animais, que ela deixa de cumprir determinações legais impostas pelo Governo do Distrito Federal, que ela vive à espreita, à espera de não ser revelada, ou de contar com a alienação da população. Mas o lugar das mulheres e da política é nas ruas, é ao sol, e se dá na via da liberdade.

Não vamos agir apenas dentro da caixa preta do Congresso Nacional, ou da Câmara Legislativa de Brasília, ou em reuniões com equipes de assessores de Secretários. Vamos trazer a política ao seu lugar de origem, essa primavera árabe que estamos vivendo no movimento de proteção animal.

O lugar da política não é lá dentro de um prédio, é cá fora nas ruas - onde as mulheres estão.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A égua e os burros


Há algumas semanas, os cidadãos de Brasília ouviram chocados a notícia de que uma égua, que puxava a carroça de um catador de recicláveis, agonizou até à morte em plena via pública onde ela e seu condutor haviam sido atingidos por um carro (leia a íntegra da notícia: aqui).

A polícia militar chegou rapidamente ao local e requisitou que a DIVAL (Divisão de Vigilância Ambiental, conhecida aqui na cidade como Centro de Controle de Zoonoses) fosse recolher o animal, de forma que ele fosse devidamente avaliado e encaminhado a um abrigo até que seu destino fosse resolvido (se devolvida ao dono, e quando, ou encaminhada à proteção de algum abrigo para animais).

A égua esperou três horas pelo resgate, mas morreu. Ela ficou negligenciada por três horas, entre as horas mais quentes do dia (o acidente ocorrera por volta das 11h30 da manhã) no calor do asfalto. Pessoas passavam pelo lugar derramando água para que seu sofrimento fosse minorado, porém nem estes gestos de compaixão permitiram que ela sobrevivesse. A desculpa da DIVAL/Zoonoses era que a perícia tinha que ser concluída antes que o animal fosse retirado. Desculpe-me a vergonha alheia de ter de fazer vocês leitores passarem pela vergonha alheia de ler isso...

Puxando o fio da meada... O que ocorreu com este animal ocorre com seres humanos todos os dias em Brasília - não que o sofrimento de um ou de outro seja menor ou maior, mas o que causa o sofrimento de ambos é que é realmente doloroso de conhecer. Viver na cidade mais desigual do país, segundo foi recentemente divulgado pelo IBGE, traz exemplos diários do que é a selvageria de uma cidade cujos gestores se utilizam dos cargos políticos que ocupam para satisfazer interesses particulares. Não gerem a saúde pública, o transporte público, a educação pública - que não são difíceis de administrar. O suprimento de remédios, sua compra e distribuição, pode ser feita com planejamento das licitações e observando as estatísticas dos estudos populacionais. Não existem desculpas para não haver médicos nos centros de saúde, nas UPAs, nos hospitais. Não existem desculpas para não haver material de trabalho para eles, que, quando falta, muitos têm de se juntar aos enfermeiros e aos técnicos para fazer uma "vaquinha", juntar dinheiro e comprar nas farmácias próximas! Eles custeiam esparadrapos, gaze, do próprio bolso, para atender aos pacientes que precisam de curativos! Não existem desculpas para as escolas públicas do Distrito Federal estarem em péssimo estado de conservação. Alguns alunos contribuem com o quadro, depredando o patrimônio público? Mesmo assim não é desculpa para que a escola permaneça em ruína. Há ações que podem ser tomadas junto aos pais e responsáveis, a comunidade, para conscientizar a pequena parcela de maus alunos. Não existem desculpas para o centro cirúrgico do Hospital Veterinário da UnB ter ficado fechado, em 2011, sem poder atender aos casos operatórios, em plena vigência do semestre letivo, prejudicando não apenas aos animais mas também aos alunos que atrasaram esta matéria no semestre. A reforma poderia sim ter sido feita durante o período de férias (que dura de dezembro a março).

Não existem desculpas para que o serviço público não funcione. Desconfio que a égua tenha sido negligenciada por seu acidente ter coincidido com a hora do almoço dos funcionários da DIVAL/Zoonoses. O que me faz pensar assim? Bem, vejamos: quando eu mesma fui lá para adotar meus dois gatos, já na entrada, ao perguntar se havia gatos para adoção, os funcionários me disseram que não. Mas eu estranhei, porque havia visto uma matéria em um jornal local de que a Zoonoses estava cheia de animais à espera de adoção, caso contrário, seriam mortos. Ao ouvir isso, levaram-me ao gatil, advertindo-me de que havia apenas dois disponíveis Quando chego ao gatil, qual não foi minha surpresa ao constatar que havia quase 30 gatos disponiveis para adoção!

A mentalidade dos funcionários do lugar é: se todos os animais que aqui chegam forem adotados, não haverá serviço para nós, e seremos dispensados, perderemos nosso emprego. Esse infeliz pensamento não é somente culpa dos servidores da casa, mas do fato de a DIVAL/Zoonoses ser um órgão sucateado, negligenciado pela própria Secretaria da Saúde do GDF, a quem está subordinado. Não há concursos para renovar a força de trabalho, não há cursos de capacitação para os funcionários e, até o momento, pouquíssima vontade de abertura para estabelecer parcerias com as organizações de proteção animal.

É claro que não pretendo generalizar. Não são todos os funcionários do órgão que trabalham mal. É aí que entra aquele velho conflito entre os técnicos e os políticos, em que os técnicos têm uma melhor visão do funcionamento do órgão, mas este, sua estrutura, seu orçamento, nas mãos de inescrupulosos políticos (neste caso, assim agindo, são psicopatas e genocidas) servem apenas a interesses particulares de enriquecimento pessoal e manutenção do poder local. Os técnicos têm pouco poder de ação nestes casos.

A morte de uma égua retrata, portanto, como toda Brasília funciona. Ela, e milhares de cidadãos esperam que seus governantes atendam às suas demandas e necessidades; estas, porém, podem até ser ouvidas, mas são prontamente ignoradas. Um animal negligenciado, pessoas negligenciadas como animais, na cidade mais desigual do Brasil... é uma realidade que não não serve mais.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Meu telhado de vidro

Recebi outro dia, de presente, pelo correio, um exemplar da revista da Fondation Brigitte Bardot na França, instituída pela atriz para angariar fundos para a causa da proteção aos animais e promover conscientização, disseminar informações, entre várias outras atividades. Eu fiquei muito feliz por ter recebido o exemplar da revista, havia uma série de reportagens com ações muito interessantes que podem ser realizadas por aqui também, minha imaginação fervilhou com novas ideias.

Porém, eu lembrei que Madame Bardot é também uma apoiadora da extrema direita francesa, que prega a expulsão dos ciganos, a proibição do véu pelas muçulmanas, a deportação de imigrantes, entre outras atrocidades e violações aos direitos humanos. Talvez nem todos saibam disso, especialmente ao lembrar daquela moça de olhar maroto, tão à vontade com sua beleza e sex appeal, exalando alegria de viver... e recordando seu envolvimento com a causa animal, há décadas, quando o assunto não era ainda tratado com a amplitude de hoje. Uma mulher que dedicava o passar de seus anos a defender focas bebês, cavalos, baleias, todos os outros animais...

Hitler, ao que consta, era vegetariano. E amava animais. Ao menos, tratava seus cães com dedicação, ou o que se pode chamar disso; há bonitas fotos dele entre seus cachorros imponentes. O que nos choca ainda mais, ao considerar a absoluta miséria - moral, ética, política, material, espiritual, etc, etc, etc - com que tratou demais seres humanos.

Eu nunca entendi pessoas que dizem amar mais os animais que os homens. Para começo de conversa, também somos animais. Estamos inseridos no meio ambiente assim como os demais animais, e participamos da cadeia da vida com eles, interferimos nela, provocamos-lhe alterações. Se fôssemos criatura tão superior assim, não estaríamos cometendo o suicídio de hoje, ao destruir exatamente o que nos sustenta. A visão do homem destacado dos demais animais é o que causa essa impressão errônea de que os outros animais são objetos a nosso dispor, e que procura nos redimir dos prejuízos que lhes causamos.

Por outro lado, também não acredito que os animais sejam a nossa redenção. Quando domesticamos gatos e cachorros há milhares de anos, nos tornamos responsáveis por eles. Eles tinham suas funções a cumprir, e hoje a principal função deles - se é que se pode falar em função - é a troca afetiva. Já temos outros dispositivos que nos auxiliam na guarda de nossas casas, na segurança, da preservação dos alimentos a salvo de roedores e insetos... os antigos trabalhos que demos aos cães e aos gatos já foram tomados por máquinas, em sua maioria. Liberados de seus antigos trabalhos, a troca afetiva que hoje eles nos dispensam realiza verdadeiros milagres terapêuticos em presídios, asilos, hospitais, abrigos, ao lado de pessoas com vários tipos de deficiências, e também em nossas casas, em nossa companhia. Mas não porque haja algo na natureza deles que nos seja miraculosa, e sim porque nos permitimos o exercício da humildade perante nossa própria natureza, na nossa relação com os animais. É porque estamos juntos que superamos aquela ilusão de superioridade que nos tirou do caminho.

E, olhando para a foto de Madame Bardot, lembrei das minhas próprias limitações. Minha estranheza, ao sentir aquela aparente contradição, nauseando meu estômago, me levou à boca o amargor de minhas próprias limitações. Trouxe a lembrança dos meus fracassos na proteção, das histórias perdidas, de animais que não puderam ser ajudados, das vezes em que tive de fechar os olhos, de pessoas que não aceitaram as orientações da ong, da briga de egos competitindo por reconhecimento acima do bem-estar animal, dos desentendimentos...

Uma racista, que não só ama mas age em defesa dos animais, me fez lembrar de quem eu era e do que realmente importa neste mundo. Ela pode não ser melhor do que eu, mas certamente eu também não sou melhor que ela. Ela lá, eu cá, precisamos apenas continuar lutando pela causa animal.

God moves in mysterious ways...