terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Meu telhado de vidro

Recebi outro dia, de presente, pelo correio, um exemplar da revista da Fondation Brigitte Bardot na França, instituída pela atriz para angariar fundos para a causa da proteção aos animais e promover conscientização, disseminar informações, entre várias outras atividades. Eu fiquei muito feliz por ter recebido o exemplar da revista, havia uma série de reportagens com ações muito interessantes que podem ser realizadas por aqui também, minha imaginação fervilhou com novas ideias.

Porém, eu lembrei que Madame Bardot é também uma apoiadora da extrema direita francesa, que prega a expulsão dos ciganos, a proibição do véu pelas muçulmanas, a deportação de imigrantes, entre outras atrocidades e violações aos direitos humanos. Talvez nem todos saibam disso, especialmente ao lembrar daquela moça de olhar maroto, tão à vontade com sua beleza e sex appeal, exalando alegria de viver... e recordando seu envolvimento com a causa animal, há décadas, quando o assunto não era ainda tratado com a amplitude de hoje. Uma mulher que dedicava o passar de seus anos a defender focas bebês, cavalos, baleias, todos os outros animais...

Hitler, ao que consta, era vegetariano. E amava animais. Ao menos, tratava seus cães com dedicação, ou o que se pode chamar disso; há bonitas fotos dele entre seus cachorros imponentes. O que nos choca ainda mais, ao considerar a absoluta miséria - moral, ética, política, material, espiritual, etc, etc, etc - com que tratou demais seres humanos.

Eu nunca entendi pessoas que dizem amar mais os animais que os homens. Para começo de conversa, também somos animais. Estamos inseridos no meio ambiente assim como os demais animais, e participamos da cadeia da vida com eles, interferimos nela, provocamos-lhe alterações. Se fôssemos criatura tão superior assim, não estaríamos cometendo o suicídio de hoje, ao destruir exatamente o que nos sustenta. A visão do homem destacado dos demais animais é o que causa essa impressão errônea de que os outros animais são objetos a nosso dispor, e que procura nos redimir dos prejuízos que lhes causamos.

Por outro lado, também não acredito que os animais sejam a nossa redenção. Quando domesticamos gatos e cachorros há milhares de anos, nos tornamos responsáveis por eles. Eles tinham suas funções a cumprir, e hoje a principal função deles - se é que se pode falar em função - é a troca afetiva. Já temos outros dispositivos que nos auxiliam na guarda de nossas casas, na segurança, da preservação dos alimentos a salvo de roedores e insetos... os antigos trabalhos que demos aos cães e aos gatos já foram tomados por máquinas, em sua maioria. Liberados de seus antigos trabalhos, a troca afetiva que hoje eles nos dispensam realiza verdadeiros milagres terapêuticos em presídios, asilos, hospitais, abrigos, ao lado de pessoas com vários tipos de deficiências, e também em nossas casas, em nossa companhia. Mas não porque haja algo na natureza deles que nos seja miraculosa, e sim porque nos permitimos o exercício da humildade perante nossa própria natureza, na nossa relação com os animais. É porque estamos juntos que superamos aquela ilusão de superioridade que nos tirou do caminho.

E, olhando para a foto de Madame Bardot, lembrei das minhas próprias limitações. Minha estranheza, ao sentir aquela aparente contradição, nauseando meu estômago, me levou à boca o amargor de minhas próprias limitações. Trouxe a lembrança dos meus fracassos na proteção, das histórias perdidas, de animais que não puderam ser ajudados, das vezes em que tive de fechar os olhos, de pessoas que não aceitaram as orientações da ong, da briga de egos competitindo por reconhecimento acima do bem-estar animal, dos desentendimentos...

Uma racista, que não só ama mas age em defesa dos animais, me fez lembrar de quem eu era e do que realmente importa neste mundo. Ela pode não ser melhor do que eu, mas certamente eu também não sou melhor que ela. Ela lá, eu cá, precisamos apenas continuar lutando pela causa animal.

God moves in mysterious ways...

2 comentários:

Anônimo disse...

Lindo texto! Talvez ela precise se abrir mais aos outros humanos, à mais justiça social. E cada um de nos, com certeza temos outras coisas à melhorar em nos mesmos e nossa relação aos outros. O fato de termos defeitos, de fazermos escolhas questionaveis em certos âmbitos, não retira as qualidades que temos, nem as boas causas pelas quais lutamos... A luta continua! :)

Juliana Silveira disse...

Oi Anônimo do Bem! De fato, La Bardot é um desafio para mim, mas o bem que ela tem feito pelos animais é incalculável. Que ela tenha bênçãos e méritos por isso e que o coração dela possa se espandir aos humanos também.