segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A vida dos outros

Quando descobrem que eu sou voluntária em uma organização de proteção animal, eu ouço de várias pessoas: "Que lindo trabalho que vocês fazem! Estão de parabéns!"

O que pode parecer um elogio, na verdade, não é. Frases como essas denunciam uma segregação na sociedade. E essa segregação joga o véu do preconceito sobre a causa da defesa dos animais.

Por que este trabalho tem que ser meu, ou de um grupo, e não de cada cidadão? Se cada pessoa tivesse a consciência de que abandonar e maltratar animais é, além de um crime, um sinal de ignorância, desinformação, falta de educação e - às vezes - o indício de uma grave perturbação psicológica, eu ou um pequeno grupo não precisaríamos fazer o trabalho que é todos fazer.

Este trabalho não é só recolher um animal que vaga pelas ruas, sujo, faminto, doente. O trabalho é olhar para sua rua e se apropriar dela. Olhar grande, com olhos bem abertos, questionadores. É olhar pra ela e ver que, de repente, a coleta de lixo não está sendo realizada. E que, pior ainda, muitos vizinhos usam qualquer espaço da via pública como lixeira. E depois reclamam de ratos, baratas, escorpiões... e o ciclo é alimentado, porque daí vem a infestação de mosquitos em decorrência da sujeira das ruas, vem o mosquito transmissor da dengue, vem o mosquito transmissor da Leishmaniose... todo mundo fica doente, homens e animais...

... porque ninguém está olhando para sua rua.

Por que uma criança de dois anos de idade foi atropelada por uma viatura da polícia em plena tarde, como saiu no notíciário local? Truculência policial? Pode até ser. Ou será que ninguém se perguntou por que uma criança tão novinha estava sozinha numa rua, desacompanhada de um adulto responsável? Porque ninguém olhou pra sua rua. Achou que tinha outro alguém para olhar.

E as frases preconceituosas que protetores de animais sempre ouvem, como: "Por que vocês não vão cuidar das crianças abandonadas?" Simples. Porque já tem gente cuidando. E a revolta se avoluma: "Mas então por que ainda existem tantas pelas ruas?" Elementar: porque ninguém está olhando para sua rua. Se as pessoas que criticam protetores de animais estivessem envolvidas com alguma ação de cidadania, elas conseguiriam entender que recolher um cão da rua é puxar o fio de uma meada que explica muito da condição da nossa sociedade atual, porque não há que se falar em cão, ou criança, ou idoso abandonado, desamparado: há que se falar em quem abandonou.

Eu olho para minha rua e não me conformo. Não sou capaz de achar que os outros é que têm que cuidar de um problema que é coletivo, que afeta cada um de nós. O mundo lá fora não acaba quando eu fecho a porta da minha casa. Minha casa é abraçada pelo mundo lá de fora.

O movimento Crueldade Nunca Mais que, no dia 22 de janeiro de 2012, reuniu milhares de pessoas em 23 estados da federação e em cidades em outros países, quis mostrar que a vida dos outros é nossa vida também, e que nossa vida também é para os outros. Foi um dos dias mais lindos da minha vida e fiquei muito feliz de ter podido estar lá, na Torre de TV, com tanta gente se encorajando a retomar sua rua.

2 comentários:

Cris Paschoali disse...

Fantástico, Juliana... não consigo achar outro adjetivo para seu texto.
Vivo na pele estes questionamentos e, entre as várias respostas que já dei (ou nem dei, pois não valia a pena...), agora vou sempre me lembrar de suas palavras.
Beijo grande!
Cris

Juliana Silveira disse...

Obrigada, Cris! Te desejo força e coragem!