quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O abandono de animais no período das férias


Este é um post informativo que escrevi e foi adaptado para o jornal eletrônico de onde eu trabalho. Compartilho aqui com vocês para colaborar com algumas ideias de cuidados com os bichinhos nas férias.

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Muitas famílias ainda não incluem seu animal de estimação no planejamento das férias e o abandonam à fome e aos maus tratos nas ruas. Antes o centro das atenções, bem alimentado e protegido, quando chega o dia da viagem, o portão se abre e ele é esquecido e entregue à própria sorte. Inventam-se mil histórias para consolar as crianças, dizendo que Totó encontrou sua verdadeira família, que está num lugar muito melhor, mas que acabam incutindo nelas a cultura de que o animal é um brinquedo, que não sente frio, fome e medo, e que nós não temos responsabilidade sobre sua vida e sua saúde. Esta ainda é uma triste realidade no Brasil mas que pode, felizmente, ser mudada pelo simples planejamento das férias.

Você não compra ração, não paga consulta ao veterinário, as vacinas e eventuais medicações? Então, pode ser sincero com a sua contabilidade e incluir o pet na conta das férias.

Ao planejar sua viagem, além dos gastos com hotéis, passagens, combustível, alimentação, lembre-se de seu animal de estimação e decida se irá ou não levá-lo. A partir daí, pesquise o cuidado mais adequado de acordo com sua espécie. Caso seja impossível levar seu pet, procure por hotéis ou pet sitters. Lembre-se que cachorros podem ficar em hotéis especializados para cães, pois têm uma natureza coletiva, mas gatos geralmente detestam sair de sua casa e adoecem muito facilmente com a falta do dono, que é sua principal referência afetiva. Para os felinos, já existem em Brasília muitos serviços de cat sitters, que são os pet sitters especializados em gatos. Além disso, um membro da família, um vizinho de confiança ou um amigo podem ajudar a supervisionar o animal, revezando-se nas visitas para não se sobrecarregarem com a responsabilidade. Para estes superamigos, não se esqueça de trazer uma lembrancinha de viagem muito especial!

Mas se você optar por levar seu bichinho para um passeio memorável, seja em Paris ou na praia, tenha muito cuidado com o transporte de animais em viagens. Existem casos de negligência de companhias aéreas em que as gaiolas com os animais são mal acondicionadas ou colocadas entre as malas e eles acabam fugindo ou mesmo morrendo de calor. Certifique-se de que a caixa de transporte é bem resistente e use cadeado extra para garantir que a portinhola não será aberta. E se for viajar com o animal de carro, é obrigatório o uso de cinto de segurança específico para o animal. Verifique se o hotel em que você ficará hospedado também aceita animais. E, em qualquer dessas situações, converse antes com o veterinário de seu bichinho: ele indicará sobre a necessidade ou não de calmantes para o trajeto, a dose correta para o peso e o tipo do animal, e sobre a hidratação e a alimentação do animal no percurso.

É possível ter ótimas férias sem incorrer no crime de abandono, descrito na Lei federal 9.605/98, e sem perder seu grande amigo!

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

As Sombras



Quando descobrem que eu sou do movimento de proteção aos animais, as reações são variadas. Embora eu entenda que não faço nada de extraordinário, que é parte da minha vivência de cidadania, e que por isso qualquer pessoa pode fazê-lo, ainda assim, acabo me encontrando em situações, digamos, até desconfortáveis. Há casos de humilhação, de preconceito. Desta vez, eu fui o bobinho, como naquela antiga brincadeira da bola.

Um vigilante no meu trabalho, que sempre conversa comigo sobre animais vitimados, desta vez provocou uma situação muito constrangedora. Ele me disse que um brigadista havia ateado fogo a um rato.

Muitas pessoas teriam se rido, ou desconsiderado o caso pelo fato de ser "apenas" um rato. Algumas pessoas até poderiam ter notado se tratar de uma armadilha, uma dessas brincadeiras sem graça que servem apenas para torrarem tempo e paciência das pessoas.

Eu não. Eu achei grave o fato de ser um brigadista a atear fogo num animal, fazê-lo morrer por um flagelo terrível. Eu pensei na dor de um ser vivo se desmanchando no fogo. Pensei na contradição de uma pessoa responsável por garantir a segurança e zelar até pela vida das pessoas no ambiente de trabalho estar envolvido neste falso dilema da nossa sociedade contemporânea, em que existem vidas menores e menos importantes que outras. Por exemplo, é por conta deste falso dilema que as pessoas de renda mais baixa sofrem com serviços públicos muito ruins, pois são desconsideradas por serem menores, sem importância.

Então, eu fui tirar satisfações. A comédia começa para uns aqui. Eu fui à sala dos brigadistas perguntar pelo rapaz. Contaram que era impossível que isso tivesse acontecido porque o tal brigadista era evangélico. Eu respondi que religião nenhuma impede ninguém de fazer nada de errado; que tem um monte de evangélico, assim como exemplares de qualquer religião, envolvidos em corrupção, pedofilia, e vários outros crimes. O rapaz chega na sala e me vê, e dá a entender que sabe o que está se passando, todos se riem. Eu perguntei, "que história é essa de você ter queimado um animal vivo? Você, um brigadista? Que salva vidas?" O constrangimento é notório, mas os risos continuam. Ele tenta inverter a situação, me pergunta quem me contou isso, arruma o peito, se apruma na minha frente, eu não arredo pé. Inclusive, me sento para conversar com ele, dizendo que eu não sairia dali enquanto não resolvêssemos essa situação. Ele me respondeu dando volta, citando uma passagem da Bíblia, em que se diz algo como quando se é criança, se faz coisas de criança e quando se é adulto, se deve abandonar as coisas de criança. E que a pessoa que havia me contado estava agindo como criança.

Eu respondi que Deus - já que ele acredita nele - criou todos os seres e em nenhum momento na Bíblia se diz para nos "divertirmos" cruelmente com os animais. Que somos os zeladores da Criação. E que devemos agir como tais.


Ele não respondeu a minha pergunta. Discutimos mais um pouco sobre isso e ele, por fim, perguntou se eu havia entendido o que ele havia dito.

Eu disse que ele não me havia respondido. Que ele havia citado uma passagem da Bíblia sobre agir de acordo com sua idade correta, com maturidade. Mas que atear fogo num animal, qualquer que seja ele, não é coisa de criança. É coisa de um monstro.

Ele contou ao vigilante e foi reclamar com o chefe dele, um passando a batata quente da brincadeira sem graça para a responsabilidade do outro. O chefe do vigilante o repreendeu e o vigilante veio acertar contas comigo, me perguntando por que eu havia ido falar com o brigadista, e que eu devia desfazer o que eu fiz. O que EU fiz? Os dois encetaram numa rixa e me envolveram na trama, eu fui cumprir minha obrigação cidadã e a culpa é minha?


Eu só fico pensando que sentido tem se divertirem com a minha cara quando a causa é tão grave...


sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Alice no País...

Uma amiga do trabalho chegou um dia dizendo que havia visto uma gatinha recém-parida debaixo da carcaça de um carro abandonado na quadra em que mora. Ela é tutora de uma cachorrinha idosa em casa, já quase completamente cega e surda, de quem cuida com muito carinho e atenção, e que provavelmente não suportaria lidar com a novidade de uma gata com uma ninhada inteira; uma gata que, por isso mesmo, já estaria com os nervos à flor da pele, protetora, atenta aos perigos, mais arisca do que nunca. Buscou ajuda.

Então começou sua descida aos infernos. (Não foi dito que o inferno são os outros? Talvez.)

Ela ficou assombrada por ninguém mais ter dado atenção ao fato, oferecido proteção à gata e seus filhotes. Uma quadra inteira, quase dez blocos, seis andares cada um, vários apartamentos por andar, muitas famílias e seus filhos. E ninguém.

Ela buscou com sua família, com amigos, que tentassem ajudá-la a acolher a gata e sua ninhada. (Eu disse que se ela conseguisse um lar temporário, seria possível conseguir descontos em clínicas veterinárias, tratamento, castração e o futuro encaminhamento à adoção). Não conseguiu. Incompreensão. Estranhamento. Sentimento de solidão. Espanto. O inesperado.

Ela entrou em contato com abrigos de animais. (Eles estão lotados, não teriam como abrigar mais esta família; eles mesmos precisam de ajuda). Não conseguiu. Raiva. Revolta. Sentimento de solidão.

Trouxe um pouco de ração dos meus gatos para ela colocar perto da gatinha, ela iria precisar, recém-parida, com dificuldade de buscar alimento. Ela colocou. E, no dia seguinte, haviam retirado as tigelas de comida que ela havia colocado. Choque. Dor. Choro.

A mãe gata foi embora.

Veio a chuva monstro da madrugada, a primeira de Brasília, depois da seca. Tão esperada pelos brasilienses e, por ela, tão temida – e os filhotes?

Dois já mortos, num canto. Um, muito fraco; outro poderia ter sido o mais forte, debatia-se. Buscava a mãe, o leite, o calor, a proteção. Onde? Apenas três ou quatro dias de nascido...

Ela desceu à rua à meia-noite; ela, e ninguém mais; o filhote mais fraco, já morto, afogado; retirou o último filhote ainda vivo, e o levou pra casa, e o embrulhou em uma toalhinha, e enfrentou o pai, e o velou à noite, e esperou que continuasse a viver.

Ao menos ele pôde morrer nas mãos da compaixão.

Ela chorou muito por três dias. Comprou um saco de ração para deixar no carro, para quando precisar ajudar algum bichinho. Ela nunca mais foi a mesma. Ela viu o mundo.


O silêncio dos inocentes

Foi um tempo de assombro e interiorização. Minha “fase ostrinha”, à qual meus amigos estão acostumados, pois vez ou outra ocorre. Viver dói bastante, maldita consciência.

Se eu já andava como que pisando cacos de vidro ao ver pedintes maltrapilhos à entrada das padarias; crianças vidradas em crack na Rodoviária do Plano Piloto à luz do meio-dia; pessoas apagadas por bebida dormindo nos bancos das paradas dos ônibus... ver um cão magrela, costelas aparentes, revirando um saco de lixo; ver um gato que teve os olhos perfurados, vagando pelas ruas, semi-morto; ver ninhadas recém-paridas numa caixa de papelão, abandonadas para morrerem de frio e fome... eu me calei diante do sofrimento de tudo que é vivo. É esmagador.

“We're all mad here!”, “Somos todos loucos aqui!”, dizia o Gato de Cheshire.

Eu quis gritar, eu quis falar e chorei, até. Mas fui buscar um jeito de me desapegar da minha própria dificuldade para trabalhar por quem não tem meio de falar por si, de lutar por si. Se a gente pensa muito na própria dor, é capaz de ficar louco. Pensar mais na gente que no outro nos faz perder o sentido de porquê estamos aqui, e por que as pessoas vivem do modo que vivem neste mundo. Não precisamos viver assim, não precisamos ser do jeito que somos, causando tanto sofrimento.

E não, eu não voltaria atrás; não abriria mão da minha consciência. Vamos em frente, com dor, lutar até o fim!

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A Lei de Acesso à Informação e o CCZ de Brasília

Entra em vigor hoje, dia 16 de maio de 2012, a Lei 12.527/2011, chamada de Lei de Acesso à Informação. Ela possivelmente criará um impacto positivo, penso eu, na cultura do serviço público brasileiro, ao permitir o empodeiramento dos cidadãos brasileiros por meio do conhecimento e da aproximação com a administração pública.

Quem já precisou buscar informação junto ao serviço público certamente sentiu a vertigem do labirinto kafkaniano. Se você lida com algo ainda mais obscuro, como a defesa dos animais, pior ainda.

O que tudo isso tem a ver com o Centro de Controle de Zoonoses de Brasília? Tudo. O CCZ de Brasília (DIVAL - Divisão de Vigilância Ambiental, como é seu nome oficial) é um dos órgãos mais negligenciados do Governo do Distrito Federal, em vários aspectos. É um lugar sombrio, assustador e desumano, e não é só pelo que faz aos animais, mas aos funcionários também. Suas instalações precisam não somente de reforma, mas de uma reformulação completa, que abarque uma maneira humanitária de lidar com os animais. O gatil é um pequeno corredor estreito, em que as baias térreas dificultam o manejo dos animais, entre outros problemas; o canil é frio demais por ser, na verdade, um galpão; os servidores que lá trabalham, pelo menos o corpo de apoio administrativo, certamente não passa por um curso de atualização ou capacitação há décadas, o que permitiu que uma cultura danosa aos animais criasse raízes profundas. O corpo técnico, de profissionais veterinários... ninguém sabe ao certo quantos são, quem são. Dificilmente alguém consegue falar com eles. As ongs dificilmente conseguem alguma abertura para propor atividades em parceria.

Eu adotei meus dois primeiros gatos de lá e mais de um ano depois não consegui voltar ao local. Aquilo não é fruto de civilização. Aquilo é um campo de concentração. Claro que não faz bem aos animais, mas pros humanos também não. Conviver naquele lugar, diariamente, faz coisas com a sua cabeça. Coisas ruins.

Na verdade, ninguém sabe ao certo o que se passa no CCZ de Brasília. Na página da Secretaria da Saúde, ao qual está subordinado, não há nenhuma informação sobre ele: seu regimento interno, por exemplo, que deveria mostrar suas atribuições; seu organograma. Aliás, a Lei 2.095/1988, que estabelece as diretrizes para a proteção animal e o controle de zoonoses no DF está no site da ong Proanima, e não da Secretaria da Saúde. Não tem uma estatística. Uma prestação de contas. Noticia sobre sua atuação, qualquer atuação - não tem. É como se ele não existisse. A população de Brasília nem sabe onde ele fica.

Esta negligência mostra o quanto o assunto é desimportante para o GDF. Nas entrevistas os jornalistas sempre me perguntam sobre quantos animais são recebidos semanalmente, ou mesmo doados por eles; se há o sacrifício de animais, como é feito, quantos animais são sacrificados e com que frequência isso acontece; se eles têm alguma aproximação estatística sobre a população da fauna urbana, sobre suas doenças e as zoonoses que possivelmente carregam; quantos animais eles alcançam com as vaciações antirrábicas públicas; se fazem ou não castrações gratuitas; se atuam na conscientização da sociedade. Não dá pra responder, o CCZ de Brasília não informa nada.

O que será que ele esconde?

Eu peço às ongs e aos cidadãos que preencham o formulário na página do GDF e solicitem estas informações. Se massificarmos os pedidos, eles terão de responder, em algum momento. E nós vamos exigir as respostas.

As coisas precisam mudar naquele lugar.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

O grito de guerra da mãe primata

Ontem (13 de maio), no programa Fantástico, da Rede Globo, foi veiculada uma matéria sobre um livro há pouco tempo lançado no Brasil chamado O grito de guerra da mãe tigre. Amy Chua, a autora, é uma chinesa que proclama que a criação de um filho deve ser respaldada na máxima disciplina para que ele seja bem sucedido em sua futura carreira. Foram convidadas três atrizes prata-da-casa da emissora que deram suas (muito diferentes) opiniões sobre a questão. Até aí, tudo bem.

Mães normalmente se preocupam, cada uma à sua maneira, que seus filhos tenham um lugar ao sol na sociedade, e tentam proporcionar uma educação que desenvolva as várias habilidades deles para que eles possam cuidar de si. Bem, quase todas. E nem todas são bem sucedidas nisso. Algumas são enganadas pelos próprios mitos do que é ser mãe e tropeçam na função. Algumas se deparam com seus limites e os negam ou criam pobres justificativas, outras os reconhecem e tentam vencê-los. Mas, tentativas de ser verdadeiras mães à parte, eu não ouvi nenhuma delas criticar a sociedade que permite que uma mulher como Amy Chua escreva um livro como este e seja aclamada como uma verdadeira mãe, e ainda sirva de exemplo para as outras.

Vejam bem, não estou falando do sentimento de amar e querer o melhor para um filho, nem do melhor método para criar uma criança bem sucedida, mas acho que esqueceram de falar que mundo é esse para o qual estamos criando estas crianças. É este o mundo que realmente queremos para nossas crianças? Ou ainda: queremos que nossos filhos se tornem estas pessoas no futuro? E colaborem para que ele fique ainda pior do que é?

Uma mãe chinesa, no trecho do documentário mostrado na reportagem, diz que não deixa o filho descansar nem quando ele chora de cansaço (e ele não chora de cansaço por birra depois de cinco minutos se concentrando numa tarefa, mas sim depois de horas e horas de intenso treinamento em várias áreas, de piano a matemática, sem pausa para descanso, nem para ouvir seus próprios pensamentos). Quantos de nós, hoje, muitas vezes não choramos ou quase chegamos às lágrimas de tanto cansaço, tanta exigência no trabalho, tanta demanda por sempre melhor desempenho para o enriquecimento alheio? Quantos de nós não reclama que não temos tempo para nos divertirmos, de ficarmos com nossas famílias, de simplesmente cultivar um hobby ou ainda se dedicar a um trabalho voluntário? E é isso que estamos passando para nossos filhos? Queremos esta tristeza para eles também? E isso é amor de mãe??

Esta é a sociedade que sobrevive, e que não vive. Amy Chua ensina seu filho a ser um sobrevivente de um mundo miserável, em vez de ensiná-lo a desconstruir este mundo e revolucioná-lo.

Um livro como este só vem tendo este sucesso porque estamos à beira do abismo humanitário, e não porque estamos nos tornando melhores. Estamos criando pessoas cada vez mais competitivas e menos colaborativas. Competitivas para pensarem apenas no enriquecimento próprio, e não na solução da fome na África, no genocídio indígena das Américas, em tantas outras mazelas que nem vai dar para mencionar aqui. 

Entendam, não estou sendo xenófoba. Tenho certeza de que a cultura chinesa pode proporcionar muitas valiosas lições para as outras culturas do mundo. Mas alguém suspeita do por quê de exatamente as lições deste livro em particular estarem sendo mais valorizadas e até propagadas e imitadas do que outras como compaixão, colaboração, solidariedade?

Na natureza, a mãe tigre não tem outra opção. Ela precisa ensinar tudo o que sabe a seus filhos antes que ela seja morta, ou eles morram. Ela e seus filhos têm uma função no equilíbrio do meio ambiente, na cadeia alimentar. No nosso mundo, nós temos a opção de fazer diferente: a vida de nossas crianças não precisa ser mais valiosa do que a das outras crianças. Não precisamos ensinar nossos filhos a caçar os filhotes das outras mães -- para não precisarmos viver com o medo de que nossos filhos sejam as presas de outras criaturas. Não precisamos ensinar nossos filhos a explorar o trabalho alheio antes que explorem o dele; que eles sejam ricos às custas da miséria alheia, homens e animais; que aceitem as agressões do mundo como normais sem ensiná-los a ter a coragem para mudar este mundo.

Não somos mães tigre, somos mães primatas. Primatas símeos homo sapiens sapiens. Não vivemos na selva, mesmo que por vezes alguns exemplares infelizes de nossa espécie a transformem na tal selva de pedra.

Que filhos vocês vão deixar para o mundo?

Ser mãe é cuidar



A maternidade é um sentimento que ultrapassa o fato de uma mulher ter um filho biológico. Ainda bem. Senão, não haveria tantas mulheres adotantes, tantas madrastas legais (as "boadrastas"), tantas mulheres que se dispõem a cuidar dos filhos de suas amigas, tantas tias que têm um amor incondicional e um cuidado dedicado aos seus sobrinhos... e tantas mulheres dedicadas a cuidar, seja do que for: cuidar de crianças abandonadas, velhinhos em asilos, doentes em hospitais, e animais abandonados.

Parece que a palavra pra definir este sentimento maternal é maternagem, a capacidade de se sentir e agir como mãe, mesmo não sendo uma mãe biológica. Felizmente, eu tive a experiência de ter tido uma enteada e enfrentar todos os dilemas (ou pelo menos, uma boa parte deles) que uma mãe enfrenta - embora com limites de ação e contra todos os estigmas sociais de ser uma "madrasta". Minha antiga enteada tinha uma mãe presente em sua vida à sua maneira, e ambas construíam e continuam construindo sua relação, e somente elas sabem a dor e a delícia de serem quem são uma para a outra. Bem assim, como todas nós, com nossas mães, enfim. Não vamos nos idealizar, nem às nossas mães, não é?

E tem as outras mães da natureza. Eu tive a oportunidade de ver uma gatinha que recolhi da rua, sem saber que ela estava prenha, ter sua cria na minha casa. Eu vi como ela mudou seu comportamento com a cria recém nascida, como ela falava numa linguagem completamente diferente (não era um miado, era mais um arrulhar), como ela lutava para dar conta das quatro bebês quando elas começaram a andar e a sair do ninho, encantadas com as descobertas; como ela as ensinou a desmamar - e quando ela não tinha paciência de lutar contra a carência de uma das filhas em particular, que insistia em continuar mamando mesmo quando já não havia mais leite e a filha já se tornara maior que a mãe... quando ela tinha que ralhar com elas e como ela às vezes corria para um cantinho, para ter aquele momento que toda mulher com filhos deseja ter (mesmo se sentindo culpada por este desejo!), nem que seja por alguns segundos: aqueles cinco minutinhos num cantinho isolado quando a birra fica audível até na China!...

Esta experiência me proporcionou, por contraste, a pensar nas mães animais humanas, mesmo nas que não têm filhos biológicos, como eu. É certo que os mamíferos têm uma relação com suas crias muito diferente das demais espécies, mas eu me surpreendo de reconhecer comportamentos iguaizinhos, tanto nas mães humanas quanto nas não humanas. Todo mundo que já teve bicho já teve esta experiência. Porque cuidado é a melhor palavra para definir o que é ser uma mãe. Basta pensar na mulher que é mãe e não tem cuidado: todo mundo diz que ela não é mãe, porque ela não cuida... uma mãe que não cuida é uma desnaturada. E essas, infelizmente, também abundam na natureza. Cuidar é o sentimento que nos permite nos ultrapassar e pensar no outro primeiro, dedicar-lhe nossa energia, revolucionar completamente nossas vidas, nossos projetos, nossos sonhos pelo outro.

Mais que isso, se é que é possível: ser responsável por uma vida. O peso desta responsabilidade é imensurável. Eu não digo peso como fardo, mas como valor, uma dignidade, que somente a humildade da maternagem nos permite mensurar.

E também me proporcionou uma justiça histórica comigo mesma: sim, eu também sou mãe. O sentimento de cuidado, o olhar cuidadoso que desenvolvi para o mundo que me cerca é o que me proporciona sentir como uma mãe. Não somente mãe de meus bichos, mas uma mãe para o mundo. Eu me sinto uma mãe para o mundo por causa do meu cuidar. E ainda bem que, como eu (e, certamente, melhor do que eu), muitas outras pessoas também o são.

Este post é uma homenagem não apenas às mães biológicas, que têm sua comemoração assegurada (seja por motivos comerciais, não interessa, o fato é que são), mas em especial às pessoas que cuidam de quem e do que quer que precise de cuidado. Cuidado é do que mais nosso mundo precisa nestes tempos...

sexta-feira, 11 de maio de 2012

"Morram os cães, vivam os homens"

Esta frase eu ouvi de um transeunte que passou pelo nosso grupo de manifestantes durante a passeata contra a vivissecção e a experimentação em animais, realizada em Brasília, no dia 28 de abril de 2012.

Estávamos usando jalecos e máscaras descartáveis manchados de tinta guache vermelha para simular o horror do ato de abrir animais vivos em salas de aula e em laboratórios da indústria farmacêutica e cosmética, e nossa postura, não apenas para a performance, mas pelo próprio sentimento que nos motivava estar lá naquela tarde ensolarada de sábado, era o de luto. Combinamos de manter uma postura de luto respeitoso enquanto seguíamos um tambor com ritmo fúnebre, e decidimos não ficar conversando entre nós, enquanto carregávamos faixas e cartazes com as grotescas fotos de animais vitimados pela pseudo perfomance científica.

Eu não pude, então, responder na hora ao traseunte anônimo. Mas o que eu queria dizer para ele naquela hora eu digo agora, aqui: Eu não quero mais viver num mundo que tem de escolher entre um e outro.

É miséria demais.

Vai comer a maçã...



Eu iniciei este blog como um diário pessoal, embora público, com o objetivo de compartilhar minhas reflexões sobre os seres humanos, nascidas dos choques de opiniões sobre a questão animal. Embora ele tenha surtido efeito, isto é, embora eu tenha recebido respostas às minhas reflexões, sejam elas respostas positivas ou negativas, não tem sido fácil expor minhas reflexões do jeito que eu imaginava, nem na velocidade ou constância com que eu imaginava expô-las. E a desculpa não é exatamente a falta de tempo. Não é a causa principal do meu silêncio. Tem sido difícil expor meus pensamentos para mim mesma.

Meu humilde blog é um espelho, meu e da humanidade.

Os fatos e as notícias se sucedem, deles eu tomo consciência, e o pensamento me leva ao mundo dos sentimentos que ainda não têm tradução em palavras. Então, eu me silencio.

Meu pensar é, obviamente, uma atividade constante, mas meu silêncio é a medida do seu alcance. Não tenho sido capaz de expressar com inteligência, inclusive com inteligência emocional, os horrores que tenho visto pelo mundo. Não tenho sido capaz de lidar com determinadas informações sobre crueldade animal, porque elas expõem o pior de nossa raça humana, e dão a medida do quanto ainda precisamos trabalhar para finalmente vencer nossa desumanidade.

É como descobrir um inominável segredo de família, como se você tivesse um irmão psicopata, sem chance de recuperação.

Vem uma sensação de impotência - não de desânimo, mas de impotência. O grupo de pessoas que se conscientiza sobre a questão animal vem aumentando, vem conquistando mais espaço na mídia, então não me sinto só, desamparada. E sinto que, igualmente, posso me somar a elas, que, aliás, fazem muito mais do que eu: algumas até largam seus empregos e transformam suas casas em canis, gatis; seus jardins, em pastagem para cavalos e jumentos de carga, arrasados por uma vida de exploração impiedosa; enfrentam vizinhos desarmônicos; lutam para convencer delegados e policiais da justiça de uma causa já amparada por lei, mas ignorada por uma moral pobre... enfim, não tenho como enumerar os casos em que não poucas pessoas têm se envolvido, Brasil e mundo afora. Eu não sei se o que elas fazem é o correto a ser feito, ou a única maneira de ser feito, ou o que todos deveriam igualmente fazer, mas reconheço que seu trabalho é grande e digno.

Vem a sensação de impotência, mas vem ao mesmo tempo a chamada moral para continuar de pé, morrer lutando. O trabalho é intenso, é grande, é constante. O inimigo está nos portões, e o inimigo é a ignorância. É um inimigo que afronta a humanidade desde seu aparecimento sobre a Terra. A feiúra deste inimigo é um titã.

Eu me ressinto do meu silêncio, porém. Eu precisava passar aqui para revelar a origem dele a vocês, caros leitores, mas não pretendo ficar quieta por muito tempo. Estou apenas reunindo forças para continuar plantando minhas palavras na terra fértil das mentes. Eu tenho visto o horror... mas o que é preciso é denunciá-lo, não é mesmo?

Obrigada pelos que têm aparecido por aqui, apesar de meu silêncio!

PS: a imagem é do filme Fantasia, da Disney, do trecho Night on Bald Mountain, de Mussorgski. É a própria imagem da feiura do titã Ignorância...

quinta-feira, 12 de abril de 2012

A idade do amor

Outro dia vi num jornal da TV uma reportagem sobre as vantagens da adoção de crianças além dos três anos de idade, coisa que aqui no Brasil não costuma acontecer, e isso me remeteu à analogia da situação dos animais mais velhos que aguardam adoção. Infelizmente, no Brasil, as duas situações - crianças e animais que já não são mais filhotinhos - são preteridos na hora da adoção. Mas quais são as expectativas de quem quer adotar filhotes? Quais são suas ilusões?

Digo "ilusões" porque muitas vezes suas escolhas são, definitivamente, realizadas sem mais reflexão ou autoquestionamento. Os potenciais adotantes brasileiros preferem meninas recém nascidas brancas, possivelmente com o desejo inconsciente de que elas sejam mais mansas, por serem meninas (ou seja, não vão dar trabalho), mais maleáveis, por serem recém nascidas (ignorando algumas características, inclusive de personalidade, que são de fato transmitidas geneticamente) e por se parecem com eles, possivelmente mais "brancos". Querem satisfazer seus desejos de uma criatura à sua semelhança, mas não querem estender o tapete vermelho de seus corações à possibilidade de amar alguém que não se encaixa nos seus rígidos pré determinados padrões.

A isso se deveria chamar, claramente, de apego. Apego a si mesmo. Adotar alguém não é isso, ou não deveria partir disso. Adotar alguém é oferecer a oportunidade de ter um lar, uma família, carinho, atenção e amor, educação de melhor qualidade, acesso à saúde, a possibilidade de desenvolver seu potencial humano em melhores condições do que num abrigo estatal, com todas as suas limitações.

O mesmo acontece quando se procura adotar animais. Cães são preferidos a gatos; fihotes são preferidos a jovens, mesmo os que têm apenas 1, ou 2 ou 3 aninhos; vira-latas são preteridos a animais "de raça". Em um evento de adoção que promovemos na ong, muitas pessoas chegaram perguntando se tínhamos "Beagles", ou "Poodles", ou "Labradores"! Como se estivéssemos numa loja vendendo blusas. Tem da cor azul? Tamanho M?

Animais que já não são mais filhotes têm a mesma capacidade de aprender novos hábitos, abandonar antigos, criar novos laços afetivos, amar os novos tutores. Não depende deles, depende da dedicação dos novos tutores. Nenhum animal vem pronto, sabendo como usar a caixa sanitária ou o jornalzinho do xixi na área de serviços, ou sabendo que não deve roer a perna da mesa ou o par de tênis, ou arranhar o sofá (embora todos estes comportamentos tenham explicação). Somos nós os responsáveis por indicar a eles o que é o comportamento aceitável ou não. E sim, teremos de repetir a lição muito mais de uma vez, até que eles absorvam os novos condicionamentos.

Só aí é que vemos o tamanho do nosso amor e a nossa real disponibilidade para amar. Tem gente que cansa e devolve o animal. E isso já aconteceu com pessoas também. Crianças já foram devolvidas por "dar trabalho".

Vidas não são mercadorias. E não devem estar à diposição de nossas vaidades. O ato de adotar pessoas ou animais deveria ser um ato precedido da autoreflexão: realmente sou capaz de amar?

Neste sábado, dia 14 de abril, a partir das 10h, no Pet do Toy Zé, na 308 norte, haverá um Dia da Adoção BsbAnimal. Aproveite para conhecer os animais que esperam por alguém com coração grande o suficiente para amar "fora da caixinha"!

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Mulher, esse animal político

No dia 24 de fevereiro, mal se falou sobre os oitenta anos da conquista do voto feminino no Brasil. Eu vi mais notícias sobre o assunto nas mídias ligadas ao Estado: na TV Câmara, na NBR, mas pouquíssimo na rede privada, a das grandes empresas. Se eu não fosse uma mulher brasileira, eu teria estranhado muito mais, em especial porque o foco ficou na velha ladainha da "baixa participação das mulheres na política".

Eu não sei que pouca participação é essa, e de qual política estão falando. Ao olhar os movimentos sociais e, no meu caso específico, as entidades de proteção animal, eu vejo uma maioria de mulheres muito atuantes: elas se mobilizam para resgatar, levar às clínicas, correr atrás de patrocínio, parcerias e doações, mobilizam vizinhos, colegas de trabalho e familiares para a causa, procuram deputados para apresentar projetos de lei, buscam as mídias para denunciar as omissões do Estado nos assuntos sociais que se relacionam com a questão da proteção animal... Isso é pouco? Ou acaso isso não é política? O que é a política, afinal?

Certamente não é aquilo que se apresenta no Congresso Nacional. Ou melhor, felizmente, não é só aquilo. Aquele lugar em que se reservam "cotas" para a participação de mulheres, num sistema em que os partidos são liderados por homens, embora 52% da população eleitora seja composta de mulheres. A caixa preta que é o Congresso Nacional, e a política-politicagem que realizam, não são para mim a definição de política, mas a de um não-fazer político, uma vez que aquela maioria de homens representa grupos de interesse de dominação local em benefício de suas famílias e interesses privados. Suas pretensões paroquiais são as que promovem, por exemplo, as vaquejadas como manifestações de "cultura popular" - porém, sabemos que eles as promovem pelo volume de dinheiro que movimentam, inclusive, para seus próprios negócios familiares.

As mulheres estão retomando o fazer político, levando-a de volta à praça pública, que é seu lugar. São elas que denunciam a falência do poder público ao levantar uma petição pública on line contra o abate ilegal de animais no Centro de Controle de Zoonoses de Brasília, por exemplo. Porque, ao expor esta questão, elas mostram que a Secretaria de Saúde sucateou a CCZ de Brasília, que ela passa por cima da legislação local e federal sobre os maus tratos aos animais, que ela deixa de cumprir determinações legais impostas pelo Governo do Distrito Federal, que ela vive à espreita, à espera de não ser revelada, ou de contar com a alienação da população. Mas o lugar das mulheres e da política é nas ruas, é ao sol, e se dá na via da liberdade.

Não vamos agir apenas dentro da caixa preta do Congresso Nacional, ou da Câmara Legislativa de Brasília, ou em reuniões com equipes de assessores de Secretários. Vamos trazer a política ao seu lugar de origem, essa primavera árabe que estamos vivendo no movimento de proteção animal.

O lugar da política não é lá dentro de um prédio, é cá fora nas ruas - onde as mulheres estão.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A égua e os burros


Há algumas semanas, os cidadãos de Brasília ouviram chocados a notícia de que uma égua, que puxava a carroça de um catador de recicláveis, agonizou até à morte em plena via pública onde ela e seu condutor haviam sido atingidos por um carro (leia a íntegra da notícia: aqui).

A polícia militar chegou rapidamente ao local e requisitou que a DIVAL (Divisão de Vigilância Ambiental, conhecida aqui na cidade como Centro de Controle de Zoonoses) fosse recolher o animal, de forma que ele fosse devidamente avaliado e encaminhado a um abrigo até que seu destino fosse resolvido (se devolvida ao dono, e quando, ou encaminhada à proteção de algum abrigo para animais).

A égua esperou três horas pelo resgate, mas morreu. Ela ficou negligenciada por três horas, entre as horas mais quentes do dia (o acidente ocorrera por volta das 11h30 da manhã) no calor do asfalto. Pessoas passavam pelo lugar derramando água para que seu sofrimento fosse minorado, porém nem estes gestos de compaixão permitiram que ela sobrevivesse. A desculpa da DIVAL/Zoonoses era que a perícia tinha que ser concluída antes que o animal fosse retirado. Desculpe-me a vergonha alheia de ter de fazer vocês leitores passarem pela vergonha alheia de ler isso...

Puxando o fio da meada... O que ocorreu com este animal ocorre com seres humanos todos os dias em Brasília - não que o sofrimento de um ou de outro seja menor ou maior, mas o que causa o sofrimento de ambos é que é realmente doloroso de conhecer. Viver na cidade mais desigual do país, segundo foi recentemente divulgado pelo IBGE, traz exemplos diários do que é a selvageria de uma cidade cujos gestores se utilizam dos cargos políticos que ocupam para satisfazer interesses particulares. Não gerem a saúde pública, o transporte público, a educação pública - que não são difíceis de administrar. O suprimento de remédios, sua compra e distribuição, pode ser feita com planejamento das licitações e observando as estatísticas dos estudos populacionais. Não existem desculpas para não haver médicos nos centros de saúde, nas UPAs, nos hospitais. Não existem desculpas para não haver material de trabalho para eles, que, quando falta, muitos têm de se juntar aos enfermeiros e aos técnicos para fazer uma "vaquinha", juntar dinheiro e comprar nas farmácias próximas! Eles custeiam esparadrapos, gaze, do próprio bolso, para atender aos pacientes que precisam de curativos! Não existem desculpas para as escolas públicas do Distrito Federal estarem em péssimo estado de conservação. Alguns alunos contribuem com o quadro, depredando o patrimônio público? Mesmo assim não é desculpa para que a escola permaneça em ruína. Há ações que podem ser tomadas junto aos pais e responsáveis, a comunidade, para conscientizar a pequena parcela de maus alunos. Não existem desculpas para o centro cirúrgico do Hospital Veterinário da UnB ter ficado fechado, em 2011, sem poder atender aos casos operatórios, em plena vigência do semestre letivo, prejudicando não apenas aos animais mas também aos alunos que atrasaram esta matéria no semestre. A reforma poderia sim ter sido feita durante o período de férias (que dura de dezembro a março).

Não existem desculpas para que o serviço público não funcione. Desconfio que a égua tenha sido negligenciada por seu acidente ter coincidido com a hora do almoço dos funcionários da DIVAL/Zoonoses. O que me faz pensar assim? Bem, vejamos: quando eu mesma fui lá para adotar meus dois gatos, já na entrada, ao perguntar se havia gatos para adoção, os funcionários me disseram que não. Mas eu estranhei, porque havia visto uma matéria em um jornal local de que a Zoonoses estava cheia de animais à espera de adoção, caso contrário, seriam mortos. Ao ouvir isso, levaram-me ao gatil, advertindo-me de que havia apenas dois disponíveis Quando chego ao gatil, qual não foi minha surpresa ao constatar que havia quase 30 gatos disponiveis para adoção!

A mentalidade dos funcionários do lugar é: se todos os animais que aqui chegam forem adotados, não haverá serviço para nós, e seremos dispensados, perderemos nosso emprego. Esse infeliz pensamento não é somente culpa dos servidores da casa, mas do fato de a DIVAL/Zoonoses ser um órgão sucateado, negligenciado pela própria Secretaria da Saúde do GDF, a quem está subordinado. Não há concursos para renovar a força de trabalho, não há cursos de capacitação para os funcionários e, até o momento, pouquíssima vontade de abertura para estabelecer parcerias com as organizações de proteção animal.

É claro que não pretendo generalizar. Não são todos os funcionários do órgão que trabalham mal. É aí que entra aquele velho conflito entre os técnicos e os políticos, em que os técnicos têm uma melhor visão do funcionamento do órgão, mas este, sua estrutura, seu orçamento, nas mãos de inescrupulosos políticos (neste caso, assim agindo, são psicopatas e genocidas) servem apenas a interesses particulares de enriquecimento pessoal e manutenção do poder local. Os técnicos têm pouco poder de ação nestes casos.

A morte de uma égua retrata, portanto, como toda Brasília funciona. Ela, e milhares de cidadãos esperam que seus governantes atendam às suas demandas e necessidades; estas, porém, podem até ser ouvidas, mas são prontamente ignoradas. Um animal negligenciado, pessoas negligenciadas como animais, na cidade mais desigual do Brasil... é uma realidade que não não serve mais.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Meu telhado de vidro

Recebi outro dia, de presente, pelo correio, um exemplar da revista da Fondation Brigitte Bardot na França, instituída pela atriz para angariar fundos para a causa da proteção aos animais e promover conscientização, disseminar informações, entre várias outras atividades. Eu fiquei muito feliz por ter recebido o exemplar da revista, havia uma série de reportagens com ações muito interessantes que podem ser realizadas por aqui também, minha imaginação fervilhou com novas ideias.

Porém, eu lembrei que Madame Bardot é também uma apoiadora da extrema direita francesa, que prega a expulsão dos ciganos, a proibição do véu pelas muçulmanas, a deportação de imigrantes, entre outras atrocidades e violações aos direitos humanos. Talvez nem todos saibam disso, especialmente ao lembrar daquela moça de olhar maroto, tão à vontade com sua beleza e sex appeal, exalando alegria de viver... e recordando seu envolvimento com a causa animal, há décadas, quando o assunto não era ainda tratado com a amplitude de hoje. Uma mulher que dedicava o passar de seus anos a defender focas bebês, cavalos, baleias, todos os outros animais...

Hitler, ao que consta, era vegetariano. E amava animais. Ao menos, tratava seus cães com dedicação, ou o que se pode chamar disso; há bonitas fotos dele entre seus cachorros imponentes. O que nos choca ainda mais, ao considerar a absoluta miséria - moral, ética, política, material, espiritual, etc, etc, etc - com que tratou demais seres humanos.

Eu nunca entendi pessoas que dizem amar mais os animais que os homens. Para começo de conversa, também somos animais. Estamos inseridos no meio ambiente assim como os demais animais, e participamos da cadeia da vida com eles, interferimos nela, provocamos-lhe alterações. Se fôssemos criatura tão superior assim, não estaríamos cometendo o suicídio de hoje, ao destruir exatamente o que nos sustenta. A visão do homem destacado dos demais animais é o que causa essa impressão errônea de que os outros animais são objetos a nosso dispor, e que procura nos redimir dos prejuízos que lhes causamos.

Por outro lado, também não acredito que os animais sejam a nossa redenção. Quando domesticamos gatos e cachorros há milhares de anos, nos tornamos responsáveis por eles. Eles tinham suas funções a cumprir, e hoje a principal função deles - se é que se pode falar em função - é a troca afetiva. Já temos outros dispositivos que nos auxiliam na guarda de nossas casas, na segurança, da preservação dos alimentos a salvo de roedores e insetos... os antigos trabalhos que demos aos cães e aos gatos já foram tomados por máquinas, em sua maioria. Liberados de seus antigos trabalhos, a troca afetiva que hoje eles nos dispensam realiza verdadeiros milagres terapêuticos em presídios, asilos, hospitais, abrigos, ao lado de pessoas com vários tipos de deficiências, e também em nossas casas, em nossa companhia. Mas não porque haja algo na natureza deles que nos seja miraculosa, e sim porque nos permitimos o exercício da humildade perante nossa própria natureza, na nossa relação com os animais. É porque estamos juntos que superamos aquela ilusão de superioridade que nos tirou do caminho.

E, olhando para a foto de Madame Bardot, lembrei das minhas próprias limitações. Minha estranheza, ao sentir aquela aparente contradição, nauseando meu estômago, me levou à boca o amargor de minhas próprias limitações. Trouxe a lembrança dos meus fracassos na proteção, das histórias perdidas, de animais que não puderam ser ajudados, das vezes em que tive de fechar os olhos, de pessoas que não aceitaram as orientações da ong, da briga de egos competitindo por reconhecimento acima do bem-estar animal, dos desentendimentos...

Uma racista, que não só ama mas age em defesa dos animais, me fez lembrar de quem eu era e do que realmente importa neste mundo. Ela pode não ser melhor do que eu, mas certamente eu também não sou melhor que ela. Ela lá, eu cá, precisamos apenas continuar lutando pela causa animal.

God moves in mysterious ways...

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A vida dos outros

Quando descobrem que eu sou voluntária em uma organização de proteção animal, eu ouço de várias pessoas: "Que lindo trabalho que vocês fazem! Estão de parabéns!"

O que pode parecer um elogio, na verdade, não é. Frases como essas denunciam uma segregação na sociedade. E essa segregação joga o véu do preconceito sobre a causa da defesa dos animais.

Por que este trabalho tem que ser meu, ou de um grupo, e não de cada cidadão? Se cada pessoa tivesse a consciência de que abandonar e maltratar animais é, além de um crime, um sinal de ignorância, desinformação, falta de educação e - às vezes - o indício de uma grave perturbação psicológica, eu ou um pequeno grupo não precisaríamos fazer o trabalho que é todos fazer.

Este trabalho não é só recolher um animal que vaga pelas ruas, sujo, faminto, doente. O trabalho é olhar para sua rua e se apropriar dela. Olhar grande, com olhos bem abertos, questionadores. É olhar pra ela e ver que, de repente, a coleta de lixo não está sendo realizada. E que, pior ainda, muitos vizinhos usam qualquer espaço da via pública como lixeira. E depois reclamam de ratos, baratas, escorpiões... e o ciclo é alimentado, porque daí vem a infestação de mosquitos em decorrência da sujeira das ruas, vem o mosquito transmissor da dengue, vem o mosquito transmissor da Leishmaniose... todo mundo fica doente, homens e animais...

... porque ninguém está olhando para sua rua.

Por que uma criança de dois anos de idade foi atropelada por uma viatura da polícia em plena tarde, como saiu no notíciário local? Truculência policial? Pode até ser. Ou será que ninguém se perguntou por que uma criança tão novinha estava sozinha numa rua, desacompanhada de um adulto responsável? Porque ninguém olhou pra sua rua. Achou que tinha outro alguém para olhar.

E as frases preconceituosas que protetores de animais sempre ouvem, como: "Por que vocês não vão cuidar das crianças abandonadas?" Simples. Porque já tem gente cuidando. E a revolta se avoluma: "Mas então por que ainda existem tantas pelas ruas?" Elementar: porque ninguém está olhando para sua rua. Se as pessoas que criticam protetores de animais estivessem envolvidas com alguma ação de cidadania, elas conseguiriam entender que recolher um cão da rua é puxar o fio de uma meada que explica muito da condição da nossa sociedade atual, porque não há que se falar em cão, ou criança, ou idoso abandonado, desamparado: há que se falar em quem abandonou.

Eu olho para minha rua e não me conformo. Não sou capaz de achar que os outros é que têm que cuidar de um problema que é coletivo, que afeta cada um de nós. O mundo lá fora não acaba quando eu fecho a porta da minha casa. Minha casa é abraçada pelo mundo lá de fora.

O movimento Crueldade Nunca Mais que, no dia 22 de janeiro de 2012, reuniu milhares de pessoas em 23 estados da federação e em cidades em outros países, quis mostrar que a vida dos outros é nossa vida também, e que nossa vida também é para os outros. Foi um dos dias mais lindos da minha vida e fiquei muito feliz de ter podido estar lá, na Torre de TV, com tanta gente se encorajando a retomar sua rua.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

E a Anta de Ouro vai para...


Eu queria acreditar que a humanidade caminha para frente, mas parece que, a cada vez que eu digo para mim mesma com fé que "agora vai!" eu vejo uns dez exemplos de que a gente não vai. Ou vai é pro brejo mesmo. Será que é mesmo como canta o Lulu Santos, que a humanidade caminha a passos de formiga e sem vontade?

Vejam só um exemplo: quando a Christine Lagarde esteve aqui no Brasil em dezembro (acho) de 2011, ela foi entrevistada jornalista William Waak. Ele não é uma Mônica Waldvogel, mas, se ele não tivesse escolhido ir para o Lado Negro da Força (leia-se: o lobby dos PIGs), poderia ser. Então, na primeira pergunta à primeira-dama do FMI, ele quis fazer uma piadinha machista sem-graça, dizendo que uma arma nas mãos de uma mulher era perigoso. Ela - que deve estar tão entendiada de ouvir isso a vida inteira - devolveu com a simples pergunta: "Por quê?", deixando-o muito desconfortável ao tentar emendar o soneto de pé quebrado, colocando o embaraço dele em foco.

Outro exemplo: em uma reportagem do Jornal Nacional sobre as mulheres que estão se formando pilotos na Aeronáutica brasileira, o repórter entrevistou uma piloto, depois do seu primeiro voo solo, visivelmente orgulhosa de si, sorridente, e ela recebe esta bofetada do jornalista: "E agora, vai lembrar que é mulher e vai chorar?"

Por que eu estou falando disso tudo que nem parece ter lugar no Bicho-Homem? É que houve um outro ataque da Besta Anônima (ou melhor, do Anônimo besta) sobre o post do "Filhos, por que tê-los?":

"ahahahh mais uma usando a internet como terapia!! se tivesse um filho, ou sequer um namorado não estaria escrevedno tamanhas baboseiras. brincando com gatos no corredor!! ahahaha"

É fato, eu uso este blog como um desabafo sobre as barbaridades que escuto enquanto envolvida em ações de defesa animal. É um desabafo e uma maneira de pensar sobre o que é o ser humano, sobre nossas noções de humanidade, de bestialidade, nossa relação com nossa animalidade e a humanização dos animais. São fronteiras cinzentas da nossa concepção de ser e de nossa maneira de interagir com o mundo, com o meio ambiente, os animais da fauna urbana, em especial. E abri o blog ao público para que outras pessoas pudessem compartilhar suas impressões. Mas não escrevi este blog para escrever sobre minha vida pessoal e não pretendo dar detalhes dela aqui. Já mencionei ter sido casada, mas não falei sobre minha situação atual (solteira não quer dizer sozinha); já mencionei não desejar ter filhos agora porque tenho outras questões como prioridade, como muitas mulheres da minha idade e da minha época, deste século, neste e em muitos países do mundo. Este blog é um exercício de filosofia, é o meu exercício de pensar "Quem somos nós?". E que resulta na minha atuação pública na sociedade, no meu exercício de política.

Pelo menos eu tento, pelo menos eu ainda exercito meu cérebro e minha mente, e ajo, vou à luta, não fico só reclamando no sofá em frente à tv da política de péssima qualidade que temos no Brasil. Ao contrário do Anônimo besta que, ao continuar apenas repetindo preconceitos, demonstrou irresolutamente que é incapaz de fazer o mesmo. Quem só repete preconceito não pensa.

Sem querer ofender os tapirídeos, mas este Anônimo besta é mesmo uma anta! E a Anta de Ouro vai pra você!


terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Espelho, espelho meu...

... que tipo de animal sou eu?



Eu demorei muito para postar sobre este assunto, em especial, por conta da ampla divulgação na mídia. Não que eu já não soubesse que crimes assim aconteciam, e numa frequência muito, mas muito maior do que as pessoas em geral sabem. Não que na ong a gente já não tivesse recebido e-mails com denúncias de chocantes crimes de maus tratos como este. Não que a gente já não tivesse acolhido animais que foram apedrejados, atropelados, queimados, espancados, mutilados.

Mas é que igualmente me assustou o tipo de reação que as pessoas tiveram contra a criminosa em questão, elas mesmas incitando a outros crimes, elas mesmas cometendo crimes de injúria, de difamação, de ameaça de morte e outros mais. Os comentários abaixo dos artigos em jornais online sobre o horrendo fato deram espaço a um transe coletivo de anti-heróis justiceiros, e me assustaram. O bicho-homem estava todo ali.

Ficou ainda mais claro para mim, e não sei se as pessoas puderam perceber isso também, o paradoxo que é a bestialidade no humano, que não tem correspondência num animal. Os animais apenas caçam para satisfazer suas necessidades básicas; ao atacar, não têm sentimento de ódio nenhum, sentem apenas uma fome imensa, um rush de adrenalina que prepara seu corpo para a efetiva captura de seu alimento. Instinto de sobrevivência e nenhuma consciência sobre si, sobre "a vida, o universo e tudo o mais". Usam de armas desenvolvidas por milhões e milhões de anos de evolução (desculpem-me os criacionistas, mas aqui sintam-se à vontade para substituir para "desenvolvidas por Deus", e o resultado do raciocínio permanecerá o mesmo) para infligir medo, paralisia em sua presa. A eficácia do ato, mas sem ódio. Na máscara boquiaberta de pontiagudos dentes expostos não há maldade. Há o teatro da vida, a ingestão de proteína, a transformação em energia. Não há requintes de crueldade calculados: há a garra no golpe certeiro, a presa no ponto mortal. Fome. Alimento. Energia. Vida. Fome. Alimento...

Não há opção. Não há liberdade. Há a dor da fome, a fraqueza dos membros, o vagar na selva.

Porém, naqueles minutos -- que mais pareciam horas -- em que a mulher que tomara como profissão o cuidado com a vida escolheu cada golpe que ia aplicar naquele cão, e diante de sua pequena filha, que a tudo apreendia, ainda sem entender, havia ódio, raiva, crueldade calculada. Ela era lenta. Ela desferia os golpes e observava a reação da vítima. Ela poderia ter parado -- ela poderia nunca ter começado aquela sessão de tortura! Mas ao menos ela poderia ter parado, logo depois do primeiro golpe, e pensado: "Gente, o que eu estou fazendo? O que eu fiz?" Ela poderia ter se arrependido do que fizera. Poderia ter voltado o pensamento para si e perguntado, enfim, "quem sou eu? essa sou eu?"

Assustar-se e horrorizar-se com sua capacidade de causar tanta dor, tanto estrago, tanto sofrimento. Esta incapacidade de se olhar no espelho e ver o reflexo do monstro que se projeta de nós, a Besta, está faltando. Está faltando nos políticos corruptos, que têm plena consciência de que estão matando em massa quando desviam dinheiro da saúde pública para compra de votos para projetos de enriquecimento pessoal. Está faltando nas pessoas que bebem álcool e depois assumem a direção de um carro, conduzindo um veículo quando não conseguem conduzir seu próprio corpo por alguns passos. Está faltando nas pessoas que vendem seus votos por cargos públicos. Está faltando nas pessoas que jogam lixo e bituca de cigarro no chão, quando a lata de lixo está a poucos passos, ou quando não custa nada esperar para jogar o lixo no lugar certo quando longe de uma lixeira. Está faltando que elas percebam que parte do alagamento nas cidades é culpa delas também.

"The horror... the horror..."

Ela se disse arrependida quando se apresentou ao delegado. Ela se assustou com a repercussão do caso e as ameaças de morte, só isso. Até que ela tenha olhado para o monstro que vive nela, nenhuma possibilidade de ela vir a se tornar, de fato, humana...