quarta-feira, 16 de maio de 2012

A Lei de Acesso à Informação e o CCZ de Brasília

Entra em vigor hoje, dia 16 de maio de 2012, a Lei 12.527/2011, chamada de Lei de Acesso à Informação. Ela possivelmente criará um impacto positivo, penso eu, na cultura do serviço público brasileiro, ao permitir o empodeiramento dos cidadãos brasileiros por meio do conhecimento e da aproximação com a administração pública.

Quem já precisou buscar informação junto ao serviço público certamente sentiu a vertigem do labirinto kafkaniano. Se você lida com algo ainda mais obscuro, como a defesa dos animais, pior ainda.

O que tudo isso tem a ver com o Centro de Controle de Zoonoses de Brasília? Tudo. O CCZ de Brasília (DIVAL - Divisão de Vigilância Ambiental, como é seu nome oficial) é um dos órgãos mais negligenciados do Governo do Distrito Federal, em vários aspectos. É um lugar sombrio, assustador e desumano, e não é só pelo que faz aos animais, mas aos funcionários também. Suas instalações precisam não somente de reforma, mas de uma reformulação completa, que abarque uma maneira humanitária de lidar com os animais. O gatil é um pequeno corredor estreito, em que as baias térreas dificultam o manejo dos animais, entre outros problemas; o canil é frio demais por ser, na verdade, um galpão; os servidores que lá trabalham, pelo menos o corpo de apoio administrativo, certamente não passa por um curso de atualização ou capacitação há décadas, o que permitiu que uma cultura danosa aos animais criasse raízes profundas. O corpo técnico, de profissionais veterinários... ninguém sabe ao certo quantos são, quem são. Dificilmente alguém consegue falar com eles. As ongs dificilmente conseguem alguma abertura para propor atividades em parceria.

Eu adotei meus dois primeiros gatos de lá e mais de um ano depois não consegui voltar ao local. Aquilo não é fruto de civilização. Aquilo é um campo de concentração. Claro que não faz bem aos animais, mas pros humanos também não. Conviver naquele lugar, diariamente, faz coisas com a sua cabeça. Coisas ruins.

Na verdade, ninguém sabe ao certo o que se passa no CCZ de Brasília. Na página da Secretaria da Saúde, ao qual está subordinado, não há nenhuma informação sobre ele: seu regimento interno, por exemplo, que deveria mostrar suas atribuições; seu organograma. Aliás, a Lei 2.095/1988, que estabelece as diretrizes para a proteção animal e o controle de zoonoses no DF está no site da ong Proanima, e não da Secretaria da Saúde. Não tem uma estatística. Uma prestação de contas. Noticia sobre sua atuação, qualquer atuação - não tem. É como se ele não existisse. A população de Brasília nem sabe onde ele fica.

Esta negligência mostra o quanto o assunto é desimportante para o GDF. Nas entrevistas os jornalistas sempre me perguntam sobre quantos animais são recebidos semanalmente, ou mesmo doados por eles; se há o sacrifício de animais, como é feito, quantos animais são sacrificados e com que frequência isso acontece; se eles têm alguma aproximação estatística sobre a população da fauna urbana, sobre suas doenças e as zoonoses que possivelmente carregam; quantos animais eles alcançam com as vaciações antirrábicas públicas; se fazem ou não castrações gratuitas; se atuam na conscientização da sociedade. Não dá pra responder, o CCZ de Brasília não informa nada.

O que será que ele esconde?

Eu peço às ongs e aos cidadãos que preencham o formulário na página do GDF e solicitem estas informações. Se massificarmos os pedidos, eles terão de responder, em algum momento. E nós vamos exigir as respostas.

As coisas precisam mudar naquele lugar.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

O grito de guerra da mãe primata

Ontem (13 de maio), no programa Fantástico, da Rede Globo, foi veiculada uma matéria sobre um livro há pouco tempo lançado no Brasil chamado O grito de guerra da mãe tigre. Amy Chua, a autora, é uma chinesa que proclama que a criação de um filho deve ser respaldada na máxima disciplina para que ele seja bem sucedido em sua futura carreira. Foram convidadas três atrizes prata-da-casa da emissora que deram suas (muito diferentes) opiniões sobre a questão. Até aí, tudo bem.

Mães normalmente se preocupam, cada uma à sua maneira, que seus filhos tenham um lugar ao sol na sociedade, e tentam proporcionar uma educação que desenvolva as várias habilidades deles para que eles possam cuidar de si. Bem, quase todas. E nem todas são bem sucedidas nisso. Algumas são enganadas pelos próprios mitos do que é ser mãe e tropeçam na função. Algumas se deparam com seus limites e os negam ou criam pobres justificativas, outras os reconhecem e tentam vencê-los. Mas, tentativas de ser verdadeiras mães à parte, eu não ouvi nenhuma delas criticar a sociedade que permite que uma mulher como Amy Chua escreva um livro como este e seja aclamada como uma verdadeira mãe, e ainda sirva de exemplo para as outras.

Vejam bem, não estou falando do sentimento de amar e querer o melhor para um filho, nem do melhor método para criar uma criança bem sucedida, mas acho que esqueceram de falar que mundo é esse para o qual estamos criando estas crianças. É este o mundo que realmente queremos para nossas crianças? Ou ainda: queremos que nossos filhos se tornem estas pessoas no futuro? E colaborem para que ele fique ainda pior do que é?

Uma mãe chinesa, no trecho do documentário mostrado na reportagem, diz que não deixa o filho descansar nem quando ele chora de cansaço (e ele não chora de cansaço por birra depois de cinco minutos se concentrando numa tarefa, mas sim depois de horas e horas de intenso treinamento em várias áreas, de piano a matemática, sem pausa para descanso, nem para ouvir seus próprios pensamentos). Quantos de nós, hoje, muitas vezes não choramos ou quase chegamos às lágrimas de tanto cansaço, tanta exigência no trabalho, tanta demanda por sempre melhor desempenho para o enriquecimento alheio? Quantos de nós não reclama que não temos tempo para nos divertirmos, de ficarmos com nossas famílias, de simplesmente cultivar um hobby ou ainda se dedicar a um trabalho voluntário? E é isso que estamos passando para nossos filhos? Queremos esta tristeza para eles também? E isso é amor de mãe??

Esta é a sociedade que sobrevive, e que não vive. Amy Chua ensina seu filho a ser um sobrevivente de um mundo miserável, em vez de ensiná-lo a desconstruir este mundo e revolucioná-lo.

Um livro como este só vem tendo este sucesso porque estamos à beira do abismo humanitário, e não porque estamos nos tornando melhores. Estamos criando pessoas cada vez mais competitivas e menos colaborativas. Competitivas para pensarem apenas no enriquecimento próprio, e não na solução da fome na África, no genocídio indígena das Américas, em tantas outras mazelas que nem vai dar para mencionar aqui. 

Entendam, não estou sendo xenófoba. Tenho certeza de que a cultura chinesa pode proporcionar muitas valiosas lições para as outras culturas do mundo. Mas alguém suspeita do por quê de exatamente as lições deste livro em particular estarem sendo mais valorizadas e até propagadas e imitadas do que outras como compaixão, colaboração, solidariedade?

Na natureza, a mãe tigre não tem outra opção. Ela precisa ensinar tudo o que sabe a seus filhos antes que ela seja morta, ou eles morram. Ela e seus filhos têm uma função no equilíbrio do meio ambiente, na cadeia alimentar. No nosso mundo, nós temos a opção de fazer diferente: a vida de nossas crianças não precisa ser mais valiosa do que a das outras crianças. Não precisamos ensinar nossos filhos a caçar os filhotes das outras mães -- para não precisarmos viver com o medo de que nossos filhos sejam as presas de outras criaturas. Não precisamos ensinar nossos filhos a explorar o trabalho alheio antes que explorem o dele; que eles sejam ricos às custas da miséria alheia, homens e animais; que aceitem as agressões do mundo como normais sem ensiná-los a ter a coragem para mudar este mundo.

Não somos mães tigre, somos mães primatas. Primatas símeos homo sapiens sapiens. Não vivemos na selva, mesmo que por vezes alguns exemplares infelizes de nossa espécie a transformem na tal selva de pedra.

Que filhos vocês vão deixar para o mundo?

Ser mãe é cuidar



A maternidade é um sentimento que ultrapassa o fato de uma mulher ter um filho biológico. Ainda bem. Senão, não haveria tantas mulheres adotantes, tantas madrastas legais (as "boadrastas"), tantas mulheres que se dispõem a cuidar dos filhos de suas amigas, tantas tias que têm um amor incondicional e um cuidado dedicado aos seus sobrinhos... e tantas mulheres dedicadas a cuidar, seja do que for: cuidar de crianças abandonadas, velhinhos em asilos, doentes em hospitais, e animais abandonados.

Parece que a palavra pra definir este sentimento maternal é maternagem, a capacidade de se sentir e agir como mãe, mesmo não sendo uma mãe biológica. Felizmente, eu tive a experiência de ter tido uma enteada e enfrentar todos os dilemas (ou pelo menos, uma boa parte deles) que uma mãe enfrenta - embora com limites de ação e contra todos os estigmas sociais de ser uma "madrasta". Minha antiga enteada tinha uma mãe presente em sua vida à sua maneira, e ambas construíam e continuam construindo sua relação, e somente elas sabem a dor e a delícia de serem quem são uma para a outra. Bem assim, como todas nós, com nossas mães, enfim. Não vamos nos idealizar, nem às nossas mães, não é?

E tem as outras mães da natureza. Eu tive a oportunidade de ver uma gatinha que recolhi da rua, sem saber que ela estava prenha, ter sua cria na minha casa. Eu vi como ela mudou seu comportamento com a cria recém nascida, como ela falava numa linguagem completamente diferente (não era um miado, era mais um arrulhar), como ela lutava para dar conta das quatro bebês quando elas começaram a andar e a sair do ninho, encantadas com as descobertas; como ela as ensinou a desmamar - e quando ela não tinha paciência de lutar contra a carência de uma das filhas em particular, que insistia em continuar mamando mesmo quando já não havia mais leite e a filha já se tornara maior que a mãe... quando ela tinha que ralhar com elas e como ela às vezes corria para um cantinho, para ter aquele momento que toda mulher com filhos deseja ter (mesmo se sentindo culpada por este desejo!), nem que seja por alguns segundos: aqueles cinco minutinhos num cantinho isolado quando a birra fica audível até na China!...

Esta experiência me proporcionou, por contraste, a pensar nas mães animais humanas, mesmo nas que não têm filhos biológicos, como eu. É certo que os mamíferos têm uma relação com suas crias muito diferente das demais espécies, mas eu me surpreendo de reconhecer comportamentos iguaizinhos, tanto nas mães humanas quanto nas não humanas. Todo mundo que já teve bicho já teve esta experiência. Porque cuidado é a melhor palavra para definir o que é ser uma mãe. Basta pensar na mulher que é mãe e não tem cuidado: todo mundo diz que ela não é mãe, porque ela não cuida... uma mãe que não cuida é uma desnaturada. E essas, infelizmente, também abundam na natureza. Cuidar é o sentimento que nos permite nos ultrapassar e pensar no outro primeiro, dedicar-lhe nossa energia, revolucionar completamente nossas vidas, nossos projetos, nossos sonhos pelo outro.

Mais que isso, se é que é possível: ser responsável por uma vida. O peso desta responsabilidade é imensurável. Eu não digo peso como fardo, mas como valor, uma dignidade, que somente a humildade da maternagem nos permite mensurar.

E também me proporcionou uma justiça histórica comigo mesma: sim, eu também sou mãe. O sentimento de cuidado, o olhar cuidadoso que desenvolvi para o mundo que me cerca é o que me proporciona sentir como uma mãe. Não somente mãe de meus bichos, mas uma mãe para o mundo. Eu me sinto uma mãe para o mundo por causa do meu cuidar. E ainda bem que, como eu (e, certamente, melhor do que eu), muitas outras pessoas também o são.

Este post é uma homenagem não apenas às mães biológicas, que têm sua comemoração assegurada (seja por motivos comerciais, não interessa, o fato é que são), mas em especial às pessoas que cuidam de quem e do que quer que precise de cuidado. Cuidado é do que mais nosso mundo precisa nestes tempos...

sexta-feira, 11 de maio de 2012

"Morram os cães, vivam os homens"

Esta frase eu ouvi de um transeunte que passou pelo nosso grupo de manifestantes durante a passeata contra a vivissecção e a experimentação em animais, realizada em Brasília, no dia 28 de abril de 2012.

Estávamos usando jalecos e máscaras descartáveis manchados de tinta guache vermelha para simular o horror do ato de abrir animais vivos em salas de aula e em laboratórios da indústria farmacêutica e cosmética, e nossa postura, não apenas para a performance, mas pelo próprio sentimento que nos motivava estar lá naquela tarde ensolarada de sábado, era o de luto. Combinamos de manter uma postura de luto respeitoso enquanto seguíamos um tambor com ritmo fúnebre, e decidimos não ficar conversando entre nós, enquanto carregávamos faixas e cartazes com as grotescas fotos de animais vitimados pela pseudo perfomance científica.

Eu não pude, então, responder na hora ao traseunte anônimo. Mas o que eu queria dizer para ele naquela hora eu digo agora, aqui: Eu não quero mais viver num mundo que tem de escolher entre um e outro.

É miséria demais.

Vai comer a maçã...



Eu iniciei este blog como um diário pessoal, embora público, com o objetivo de compartilhar minhas reflexões sobre os seres humanos, nascidas dos choques de opiniões sobre a questão animal. Embora ele tenha surtido efeito, isto é, embora eu tenha recebido respostas às minhas reflexões, sejam elas respostas positivas ou negativas, não tem sido fácil expor minhas reflexões do jeito que eu imaginava, nem na velocidade ou constância com que eu imaginava expô-las. E a desculpa não é exatamente a falta de tempo. Não é a causa principal do meu silêncio. Tem sido difícil expor meus pensamentos para mim mesma.

Meu humilde blog é um espelho, meu e da humanidade.

Os fatos e as notícias se sucedem, deles eu tomo consciência, e o pensamento me leva ao mundo dos sentimentos que ainda não têm tradução em palavras. Então, eu me silencio.

Meu pensar é, obviamente, uma atividade constante, mas meu silêncio é a medida do seu alcance. Não tenho sido capaz de expressar com inteligência, inclusive com inteligência emocional, os horrores que tenho visto pelo mundo. Não tenho sido capaz de lidar com determinadas informações sobre crueldade animal, porque elas expõem o pior de nossa raça humana, e dão a medida do quanto ainda precisamos trabalhar para finalmente vencer nossa desumanidade.

É como descobrir um inominável segredo de família, como se você tivesse um irmão psicopata, sem chance de recuperação.

Vem uma sensação de impotência - não de desânimo, mas de impotência. O grupo de pessoas que se conscientiza sobre a questão animal vem aumentando, vem conquistando mais espaço na mídia, então não me sinto só, desamparada. E sinto que, igualmente, posso me somar a elas, que, aliás, fazem muito mais do que eu: algumas até largam seus empregos e transformam suas casas em canis, gatis; seus jardins, em pastagem para cavalos e jumentos de carga, arrasados por uma vida de exploração impiedosa; enfrentam vizinhos desarmônicos; lutam para convencer delegados e policiais da justiça de uma causa já amparada por lei, mas ignorada por uma moral pobre... enfim, não tenho como enumerar os casos em que não poucas pessoas têm se envolvido, Brasil e mundo afora. Eu não sei se o que elas fazem é o correto a ser feito, ou a única maneira de ser feito, ou o que todos deveriam igualmente fazer, mas reconheço que seu trabalho é grande e digno.

Vem a sensação de impotência, mas vem ao mesmo tempo a chamada moral para continuar de pé, morrer lutando. O trabalho é intenso, é grande, é constante. O inimigo está nos portões, e o inimigo é a ignorância. É um inimigo que afronta a humanidade desde seu aparecimento sobre a Terra. A feiúra deste inimigo é um titã.

Eu me ressinto do meu silêncio, porém. Eu precisava passar aqui para revelar a origem dele a vocês, caros leitores, mas não pretendo ficar quieta por muito tempo. Estou apenas reunindo forças para continuar plantando minhas palavras na terra fértil das mentes. Eu tenho visto o horror... mas o que é preciso é denunciá-lo, não é mesmo?

Obrigada pelos que têm aparecido por aqui, apesar de meu silêncio!

PS: a imagem é do filme Fantasia, da Disney, do trecho Night on Bald Mountain, de Mussorgski. É a própria imagem da feiura do titã Ignorância...