quinta-feira, 12 de abril de 2012

A idade do amor

Outro dia vi num jornal da TV uma reportagem sobre as vantagens da adoção de crianças além dos três anos de idade, coisa que aqui no Brasil não costuma acontecer, e isso me remeteu à analogia da situação dos animais mais velhos que aguardam adoção. Infelizmente, no Brasil, as duas situações - crianças e animais que já não são mais filhotinhos - são preteridos na hora da adoção. Mas quais são as expectativas de quem quer adotar filhotes? Quais são suas ilusões?

Digo "ilusões" porque muitas vezes suas escolhas são, definitivamente, realizadas sem mais reflexão ou autoquestionamento. Os potenciais adotantes brasileiros preferem meninas recém nascidas brancas, possivelmente com o desejo inconsciente de que elas sejam mais mansas, por serem meninas (ou seja, não vão dar trabalho), mais maleáveis, por serem recém nascidas (ignorando algumas características, inclusive de personalidade, que são de fato transmitidas geneticamente) e por se parecem com eles, possivelmente mais "brancos". Querem satisfazer seus desejos de uma criatura à sua semelhança, mas não querem estender o tapete vermelho de seus corações à possibilidade de amar alguém que não se encaixa nos seus rígidos pré determinados padrões.

A isso se deveria chamar, claramente, de apego. Apego a si mesmo. Adotar alguém não é isso, ou não deveria partir disso. Adotar alguém é oferecer a oportunidade de ter um lar, uma família, carinho, atenção e amor, educação de melhor qualidade, acesso à saúde, a possibilidade de desenvolver seu potencial humano em melhores condições do que num abrigo estatal, com todas as suas limitações.

O mesmo acontece quando se procura adotar animais. Cães são preferidos a gatos; fihotes são preferidos a jovens, mesmo os que têm apenas 1, ou 2 ou 3 aninhos; vira-latas são preteridos a animais "de raça". Em um evento de adoção que promovemos na ong, muitas pessoas chegaram perguntando se tínhamos "Beagles", ou "Poodles", ou "Labradores"! Como se estivéssemos numa loja vendendo blusas. Tem da cor azul? Tamanho M?

Animais que já não são mais filhotes têm a mesma capacidade de aprender novos hábitos, abandonar antigos, criar novos laços afetivos, amar os novos tutores. Não depende deles, depende da dedicação dos novos tutores. Nenhum animal vem pronto, sabendo como usar a caixa sanitária ou o jornalzinho do xixi na área de serviços, ou sabendo que não deve roer a perna da mesa ou o par de tênis, ou arranhar o sofá (embora todos estes comportamentos tenham explicação). Somos nós os responsáveis por indicar a eles o que é o comportamento aceitável ou não. E sim, teremos de repetir a lição muito mais de uma vez, até que eles absorvam os novos condicionamentos.

Só aí é que vemos o tamanho do nosso amor e a nossa real disponibilidade para amar. Tem gente que cansa e devolve o animal. E isso já aconteceu com pessoas também. Crianças já foram devolvidas por "dar trabalho".

Vidas não são mercadorias. E não devem estar à diposição de nossas vaidades. O ato de adotar pessoas ou animais deveria ser um ato precedido da autoreflexão: realmente sou capaz de amar?

Neste sábado, dia 14 de abril, a partir das 10h, no Pet do Toy Zé, na 308 norte, haverá um Dia da Adoção BsbAnimal. Aproveite para conhecer os animais que esperam por alguém com coração grande o suficiente para amar "fora da caixinha"!

2 comentários:

Anônimo disse...

Conheço uma pessoa que vai adotar uma criança e apesar de pode adotar alguém de outra nacionalidade nos proximos meses, ela decidiu esperar alguns anos para adotar alguém de sua nacionalidade. O argumento é que não quer que a criança seja estigmatizada se for de uma outra etnia que os pais, não quer que ela se sinta diferente. E isto me fez sorrir porque entendo o quê é querer que a vida seja menos dificil do quê precisa para os pais e para os filhos. Mas em primeiro lugar: 1) seres vivos que foram abandonados ja' são estigmatizados,2) a diferença tem o valor que é atribuido a ele (socialmente é claro, mas também na relação adotante-adotado), 3) não controlamos tudo na vida. Como você disse bem, esta familia pode adotar uma criança branca e dar amor e fazê-la escutar so' musica classica e ensinar o cristianismo. Ela ainda podera' se tornar anarquista, atéia, punk, lésbica. Ou ela pode ser " como todos os oiutros" e a filhinha dos sonhos e acontecer qualquer coisa na vida dela (acidente, dor-de-cotovelo) que mudara' isto para sempre. E' o desejo de controle e segurança, é o apego ao reflexo de si mesmo ou do que cada um visualizou sendo a vida perfeita paea si. "Quero adotar um cachorro, mas tem que ser de raça e em boa saude, saio com um animal que seria caro no mercado e como o bom samaritano que adotou". O ato não é sobre o animal ou sobre a criança, mas sobre si mesmo. E claro, uma criança estrangeira ou portadora de necessidades especiai; assim como paralelamente um gato, um viralata, um animal portador de necessidades especiais talvez vai exigir mais de seu tempo e de sua paciência para ensinar coisas... mas e quantas coisas este ser vai te ensinar? Sobre o amor? Sobre como você se relaciona com desafios? Sobre como eles se viram com os desafios? Sobre como se relaciona com os outros? Tomara que o dia de adoção seja um sucesso - para os novos donos também!

Juliana Silveira disse...

Anônimo do Bem, eu entendo a pessoa do caso relatado querer evitar o possível sofrimento de um dos muitos estigmas a que uma pessoa pode ser submetida. Mas há tantos outros sofrimentos, vindos de tantas outras situações, como classe social, sexo e gênero, emprego ou situação de desemprego, religião... Fora os outros sofrimentos da vida, gostar de alguém sem ser correspondido, perder seus pais, não se entender com os irmãos... Controle de fato é uma ilusão. Amor verdadeiro ensina resiliência, força para superar adversidades e sofrimentos. E sei que nem todo mundo consegue colocar a força do seu amor à prova. A adoção é apenas uma das questões em que isso vem à tona com mais nitidez.