sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Alice no País...

Uma amiga do trabalho chegou um dia dizendo que havia visto uma gatinha recém-parida debaixo da carcaça de um carro abandonado na quadra em que mora. Ela é tutora de uma cachorrinha idosa em casa, já quase completamente cega e surda, de quem cuida com muito carinho e atenção, e que provavelmente não suportaria lidar com a novidade de uma gata com uma ninhada inteira; uma gata que, por isso mesmo, já estaria com os nervos à flor da pele, protetora, atenta aos perigos, mais arisca do que nunca. Buscou ajuda.

Então começou sua descida aos infernos. (Não foi dito que o inferno são os outros? Talvez.)

Ela ficou assombrada por ninguém mais ter dado atenção ao fato, oferecido proteção à gata e seus filhotes. Uma quadra inteira, quase dez blocos, seis andares cada um, vários apartamentos por andar, muitas famílias e seus filhos. E ninguém.

Ela buscou com sua família, com amigos, que tentassem ajudá-la a acolher a gata e sua ninhada. (Eu disse que se ela conseguisse um lar temporário, seria possível conseguir descontos em clínicas veterinárias, tratamento, castração e o futuro encaminhamento à adoção). Não conseguiu. Incompreensão. Estranhamento. Sentimento de solidão. Espanto. O inesperado.

Ela entrou em contato com abrigos de animais. (Eles estão lotados, não teriam como abrigar mais esta família; eles mesmos precisam de ajuda). Não conseguiu. Raiva. Revolta. Sentimento de solidão.

Trouxe um pouco de ração dos meus gatos para ela colocar perto da gatinha, ela iria precisar, recém-parida, com dificuldade de buscar alimento. Ela colocou. E, no dia seguinte, haviam retirado as tigelas de comida que ela havia colocado. Choque. Dor. Choro.

A mãe gata foi embora.

Veio a chuva monstro da madrugada, a primeira de Brasília, depois da seca. Tão esperada pelos brasilienses e, por ela, tão temida – e os filhotes?

Dois já mortos, num canto. Um, muito fraco; outro poderia ter sido o mais forte, debatia-se. Buscava a mãe, o leite, o calor, a proteção. Onde? Apenas três ou quatro dias de nascido...

Ela desceu à rua à meia-noite; ela, e ninguém mais; o filhote mais fraco, já morto, afogado; retirou o último filhote ainda vivo, e o levou pra casa, e o embrulhou em uma toalhinha, e enfrentou o pai, e o velou à noite, e esperou que continuasse a viver.

Ao menos ele pôde morrer nas mãos da compaixão.

Ela chorou muito por três dias. Comprou um saco de ração para deixar no carro, para quando precisar ajudar algum bichinho. Ela nunca mais foi a mesma. Ela viu o mundo.


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