segunda-feira, 14 de maio de 2012

O grito de guerra da mãe primata

Ontem (13 de maio), no programa Fantástico, da Rede Globo, foi veiculada uma matéria sobre um livro há pouco tempo lançado no Brasil chamado O grito de guerra da mãe tigre. Amy Chua, a autora, é uma chinesa que proclama que a criação de um filho deve ser respaldada na máxima disciplina para que ele seja bem sucedido em sua futura carreira. Foram convidadas três atrizes prata-da-casa da emissora que deram suas (muito diferentes) opiniões sobre a questão. Até aí, tudo bem.

Mães normalmente se preocupam, cada uma à sua maneira, que seus filhos tenham um lugar ao sol na sociedade, e tentam proporcionar uma educação que desenvolva as várias habilidades deles para que eles possam cuidar de si. Bem, quase todas. E nem todas são bem sucedidas nisso. Algumas são enganadas pelos próprios mitos do que é ser mãe e tropeçam na função. Algumas se deparam com seus limites e os negam ou criam pobres justificativas, outras os reconhecem e tentam vencê-los. Mas, tentativas de ser verdadeiras mães à parte, eu não ouvi nenhuma delas criticar a sociedade que permite que uma mulher como Amy Chua escreva um livro como este e seja aclamada como uma verdadeira mãe, e ainda sirva de exemplo para as outras.

Vejam bem, não estou falando do sentimento de amar e querer o melhor para um filho, nem do melhor método para criar uma criança bem sucedida, mas acho que esqueceram de falar que mundo é esse para o qual estamos criando estas crianças. É este o mundo que realmente queremos para nossas crianças? Ou ainda: queremos que nossos filhos se tornem estas pessoas no futuro? E colaborem para que ele fique ainda pior do que é?

Uma mãe chinesa, no trecho do documentário mostrado na reportagem, diz que não deixa o filho descansar nem quando ele chora de cansaço (e ele não chora de cansaço por birra depois de cinco minutos se concentrando numa tarefa, mas sim depois de horas e horas de intenso treinamento em várias áreas, de piano a matemática, sem pausa para descanso, nem para ouvir seus próprios pensamentos). Quantos de nós, hoje, muitas vezes não choramos ou quase chegamos às lágrimas de tanto cansaço, tanta exigência no trabalho, tanta demanda por sempre melhor desempenho para o enriquecimento alheio? Quantos de nós não reclama que não temos tempo para nos divertirmos, de ficarmos com nossas famílias, de simplesmente cultivar um hobby ou ainda se dedicar a um trabalho voluntário? E é isso que estamos passando para nossos filhos? Queremos esta tristeza para eles também? E isso é amor de mãe??

Esta é a sociedade que sobrevive, e que não vive. Amy Chua ensina seu filho a ser um sobrevivente de um mundo miserável, em vez de ensiná-lo a desconstruir este mundo e revolucioná-lo.

Um livro como este só vem tendo este sucesso porque estamos à beira do abismo humanitário, e não porque estamos nos tornando melhores. Estamos criando pessoas cada vez mais competitivas e menos colaborativas. Competitivas para pensarem apenas no enriquecimento próprio, e não na solução da fome na África, no genocídio indígena das Américas, em tantas outras mazelas que nem vai dar para mencionar aqui. 

Entendam, não estou sendo xenófoba. Tenho certeza de que a cultura chinesa pode proporcionar muitas valiosas lições para as outras culturas do mundo. Mas alguém suspeita do por quê de exatamente as lições deste livro em particular estarem sendo mais valorizadas e até propagadas e imitadas do que outras como compaixão, colaboração, solidariedade?

Na natureza, a mãe tigre não tem outra opção. Ela precisa ensinar tudo o que sabe a seus filhos antes que ela seja morta, ou eles morram. Ela e seus filhos têm uma função no equilíbrio do meio ambiente, na cadeia alimentar. No nosso mundo, nós temos a opção de fazer diferente: a vida de nossas crianças não precisa ser mais valiosa do que a das outras crianças. Não precisamos ensinar nossos filhos a caçar os filhotes das outras mães -- para não precisarmos viver com o medo de que nossos filhos sejam as presas de outras criaturas. Não precisamos ensinar nossos filhos a explorar o trabalho alheio antes que explorem o dele; que eles sejam ricos às custas da miséria alheia, homens e animais; que aceitem as agressões do mundo como normais sem ensiná-los a ter a coragem para mudar este mundo.

Não somos mães tigre, somos mães primatas. Primatas símeos homo sapiens sapiens. Não vivemos na selva, mesmo que por vezes alguns exemplares infelizes de nossa espécie a transformem na tal selva de pedra.

Que filhos vocês vão deixar para o mundo?

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu nãoz li o livro, nem vi a entrevista então não posso comentar muita coisa... mas o quê me passou pela cabeça é que uma mãe chinesa, na sociedade chinesa ou americana ultra-competitiva, se quiser que o filhote aguente o tranco, precisa mesmo ser exigente. Não estou dizendo que os métodos dela são bons, não sei de nada... mas eu entendo porque este livro pode causar interesse.

A outra coisa que pensei é que por outro lado, em certas classes sociais altas, em certa sociedades, as crianças tem se tornado crianças-rei ou rainhas e que acham que todos estão ao redor para servi-los e que não precisam se esforçar para nada, que tudo que pedem ou querem tem que ser dado a eles imediatamente. A geração que foi muito reprimida pelos pais decidiu "pegar mais leve", ser super "democratica", etc. Tudo muito bom até então, mas tem crianças que mandam e desmandam nos pais e adultos, que qualquer frustração vira uma crise, etc. Acho que são estas duas coisas que tornam um livro destes muito vendido, comentado, etc.

No entanto, concordo com você, que mundo queremos construir? Deve existir uma caminho entre os dois extremos....